A justiça britânica começou a examinar nesta quinta-feira um processo para que o Parlamento, majoritariamente pró-europeu, tenha a última palavra sobre a saída da União Europeia, ao contrário do que quer o governo de Theresa May.
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A rivalidade irreconciliável entre pró-europeus e pró-Brexit foi transferida para as portas do tribunal, no centro de Londres.
"No Parlamento tem que votar, a democracia significa uma resposta do Parlamento", gritava um homem agitando uma bandeira da União Europeia.
No mesmo momento, um partidário de abandonar a UE pedia que se "repeitasse a vitória do Brexit".
As audiências se prolongarão até a próxima terça-feira, e em poucas semanas se espera uma sentença.
O processo, que será examinado pelos mais altos juízes da Inglaterra, foi apresentado por várias pessoas, entre elas uma gestora de um fundo de investimentos, um cabeleiro e um britânico que vive na França, aos quais se somaram outros cidadãos ordinários.
May não quer que o Parlamento se pronuncie e disse que o processo é uma tentativa de "subverter" o resultado do referendo 23 de junho, quando 52% dos eleitores se pronunciaram a favor da saída da UE.
Em uma entrevista à AFP, Gina Miller, co-fundadora do fundo de investimentos SCM Private, e uma das autoras da ação, rejeitou as acusações de May. "Não se trata de se ficamos ou se vamos, trata-se de como vamos", explicou.
"Se estabelecemos o precedente, de que uma primeira-ministra decida quais direitos temos e quais não, voltaremos a uma ditadura e regressaremos 400 anos de democracia", acrescentou.
Os limites do poder executivo em jogo
No tribunal, David Pannick, advogado de Miller, disse que o caso aborda "questões constitucionais sobre os limites do poder executivo de una importância fundamental".
Os autores do processo garantem que o referendo foi só "consultivo", que seu desenlace tem que ser validado pelos deputados, e que só o Parlamento tem o poder de tirar dos britânicos de seus direitos como cidadãos europeus.
"O Parlamento nos levou à União Europeia e só o Parlamento pode nos tirar dela", argumentou o advogado John Halford, do escritório Bindmans, um dos defensores da causa.
Nas últimas horas, May tem se mostrado aberta a que o Parlamento possa examinar sua estratégia de saída da UE, sem dar muitos detalhes, mas acredita que o legislativo não poderá reverter o resultado do referendo de 23 de junho.
A maioria dos deputados fez campanha a favor da União Europeia, e embora muitos já aceitem o resultado do referendo, debater todos os pontos do plano do governo para sair da UE poderá atrasar todo o processo.
May anunciou que quer invocar o Artigo 50 do Tratado de Lisboa -a porta de saída formal da UE- no mais tardar em março de 2017.
O governo argumenta que seu direito de conduzir o Brexit como quiser é uma "prerrogativa real", um tipo de privilégio executivo que se usa em política externa.
Dado o nível dos magistrados encarregados do caso, qualquer apelação iria diretamente à Suprema Corte.
Em Bruxelas, o presidente do Conselho Europeu, Donald Tusk, disse nesta quinta-feira que "a única alternativa real a um 'Brexit radical' é um 'não Brexit'", embora "hoje em dia ninguém acredite nesta possibilidade".
Um 'Brexit radical', que seria a saída do Reino Unido sem ter chegado a um acordo com a UE, seria "em primeiro lugar doloroso para os britânicos", assegurou Tusk durante um discurso pelo vigésimo aniversário do grupo de especialistas European Policy Centre.
"A dura verdade é que o Brexit será uma perda para todos nós, não haverá tortas na mesa para ninguém, só haverá sal e vinagre, (...) inútil especular sobre um 'Brexit brando'", acrescentou.