Alemanha

30 anos após fim do muro de Berlim, mundo vê avanço de nacionalismos

Alemães comemoram neste fim de semana a queda do muro que dividia a capital

JC Online
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Publicado em 09/11/2019 às 9:22
AFP
Alemães comemoram neste fim de semana a queda do muro que dividia a capital - FOTO: AFP
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A queda do muro de Berlim, que completou exatos 30 anos nesse sábado (9), trazia na época o sentimento de esperança ao mundo, afinal simbolizava o fim de uma era de divisões, acentuadas pela Guerra Fria. A unificação da Alemanha enquanto país trouxe expectativa por maior multipolaridade e união entre os povos. Três décadas depois, contudo, o cenário é diferente com o “muro de Trump” entre os Estados Unidos e o México, as cercas que separam Espanha e Marrocos e a barreira de segurança entre Israel e a Cisjordânia, por exemplo. A esperança de 1989 agora dá lugar a dúvidas e divisões que continuam a ser erguidas em todo o mundo.

O caso mais emblemático é o dos Estados Unidos. Visto no passado como o país que lutou justamente contra o fechamento de nações durante a Guerra Fria, os americanos agora se voltam para um discurso mais nacionalista e protecionista no governo do presidente Donald Trump. O muro na fronteira do México, inclusive, apesar de não ser novo, foi uma grande bandeira de campanha dele.

“Trump contribui com esse movimento de encastelamento de economias avançadas mais pelo sinal que ele envia sobre o futuro da ordem internacional liberal. Desde o fim da Segunda Guerra, os Estados Unidos estiveram a frente da ordem liberal internacional, que tinha como sustentáculos a liberação em várias frentes, seja política ou econômica. Então, se hoje o país que no passado encabeçou a ordem liberal prática não só separação física, mas mercantilismo, barreiras tarifárias, dificuldade circulação de bens e pessoas, que sinal envia para o restante do mundo? O que podemos esperar dos outros? Mais retração”, disse o professor de Relações Internacionais da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Rafael Mesquita.

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Um exemplo recente da política menos global dos Estados Unidos foi a oficialização da saída do Acordo de Paris – principal tratado sobre as questões climáticas – perante à Organização das Nações Unidas. A saída abre brecha para atitudes similares por parte de nações como China e Índia, que agora não possuem mais o contraponto dos americanos na hora de negociarem a flexibilidade do acordo com a ONU. Caberá à União Europeia tentar ocupar esse espaço.

A UE, por sinal, é ainda o principal exemplo de integração bem sucedida no mundo, com a livre circulação de pessoas (Espaço Schengen) e a adoção de moeda única (o euro) na maioria dos países do bloco.

A União Europeia, contudo, enfrenta os seus próprios “muros” com o avanço de movimentos anti-migração e com o Brexit, a tentativa de saída do bloco por parte da União Europeia por parte do Reino Unido.

“O surgimento de movimentos nacionalistas foi um fenômeno que aconteceu no esteio da primavera árabe e da migração em massa para a Europa. Houve uma resposta eleitoral principalmente da população alemã, que não queria esse contingente de pessoas no território. Foi o caso também da Hungria de Viktor Orban. Esses muros não são físicos, mas no sentido de criar obstáculos para entrada de pessoas no território. Importante destacar que a Europa participou de crise e ainda se recupera. Esse contingente de pessoas demanda maior quantidade de serviços que o estado não tem condições de resolver. Essa crise gera atritos”, explicou o doutor em Ciência Política e professor de Relações Internacionais da Faculdade Damas, Antônio Henrique Lucena, durante entrevista ao podcast O Fato É..., do Jornal do Commercio.

Nem mesmo a Alemanha, que comemora a união do país neste fim de semana, escapa de conviver com o sentimento de divisão, principalmente no oriente, onde a unificação acentuou problemas econômicos como desemprego e a falta de infraestrutura. No lado leste alemão cresce o avanço de partidos de extrema direita e com ideias nacionalistas. Na semana passada, a cidade de Dresden chegou a declarar “emergência nazista”, por exemplo.

“Agora estamos testemunhando, no mesmo país, a Alemanha, a ascensão de forças nacionalistas que desejam separar novamente, não o país em si, mas do resto do mundo e de países focos de migração. É um caso muito emblemático, mas não é isolado. A ascensão de movimentos nacionalistas e anti-migração é um fenômeno europeu”, analisa Rafael Mesquita.

Com avanço dos muros pelo mundo, o temor é que haja a retomada do sentimento de medo da Guerra Fria, com as nações em busca não só de barreiras, mas de armamentos. “A Guerra Fria voltou, mas desta vez com uma diferença”, alertou no ano passado o Secretário-Geral da ONU, Antonio Guterres. “Porque os mecanismos e garantias que anteriormente permitiam controlar os riscos de escalada parecem não existir mais”, afirmou numa entrevista à BBC. Os Estados Unidos, por exemplo, deixaram o tratado de desarmamento INF assinado com a ex-União Soviética em 1987 e acusa Moscou de violá-lo, o que abre caminho para uma nova corrida armamentista contra a Rússia. Por sua vez, Moscou coloca suas fichas em todos os lugares de onde Washington se retira, como o Oriente Médio, mas especialmente a China.

Além disso, especialistas internacionais pontuam que as barreiras criadas não freiam os fluxos por completo. É o que avalia Elisabeth Vallet, cientista política da Universidade de Québec (Canadá). “Não detêm o tráfico de drogas, por exemplo. A maioria da droga que entra nos Estados Unidos é pelas passagens nas fronteiras”, afirma. “Pior ainda, os muros ajudam a esconder uma realidade, a de uma crescente insegurança na fronteira. Enquanto milhares de pessoas não tiverem outra opção senão abandonar suas casas, os muros não servirão para nada”, acrescenta essa especialista que contabiliza “75 muros construídos ou anunciados”, em comparação aos 15 existentes em 1989.

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