“Este deveria ser um ano de celebrações para Olinda – 50 anos do título de patrimônio nacional e 80 anos do tombamento isolado das primeiras edificações da Cidade Alta, mas no lugar de comemorar estamos juntando frustrações”. Esse lamento do arquiteto Clodomir Barros, da Secretaria de Patrimônio e Cultura de Olinda, registrado pela repórter Cleide Alves, deveria ser suficiente para alertar a todos do quanto estamos perdendo com o descaso para com os primeiros cenários urbanos e as expressões sociais da cidadania.
Mas o estrago é bem maior. O tamanho dessa perda está documentado no texto inconfundível e no mapa traçado por Gilberto Freyre no final da década de 30 do século passado, no Guia Prático, Histórico e Sentimental de Olinda. Se a pressa dos nossos dias tornar penoso percorrer as mais de 220 páginas do Guia – e é exatamente o contrário, a caminhada é deliciosa – para se ter uma medida aproximada do que Pernambuco e o Brasil perdem ao não olhar com mais atenção esse patrimônio histórico e cultural e descuidar do que pode parecer apenas detalhes descartáveis e incomunicáveis com a linha do tempo da cidade, basta percorrer o traçado do mapa que abre a publicação, com números e identificação, do Farol à Capela do Bom Sucesso.
No percurso de uma rápida caminhada pelo mapa, ali está a Olinda da Estação de Radiotelegrafia, das igrejas, do mosteiro de São Bento, da casa em que morreu João Fernandes Vieira – um dos grandes heróis da resistência contra os invasores holandeses –, o antigo mercado, as ruínas do antigo Senado, a antiga Cadeia Eclesiástica, a bica de São Pedro, casas coloniais, o antigo Seminário, o local onde Duarte Coelho levantou o seu castelo em 1537, a casa que não foi atingida pelo incêndio da cidade ateado pelos holandeses em 1631, o local do antigo Horto Del Rei, a Bica do Rosário, a Bica dos Quatro Cantos, e muito mais se pode ver e sentir em um périplo cujas linhas foram deixadas pelo autor de Casa Grande e Senzala e são ampliadas por historiadores e poetas que sentiram intensamente a cidade, sua formação.
O que mais se teme hoje é a perda de identidade dessa cidade-semente, ponto de partida, concebida pelo seu casario, pela vegetação e mar, “o tripé que dá sustentação ao tombamento de Olinda pela União e também ao título concedido pela Unesco em 1982, de Cidade Patrimônio da Humanidade”, diz o engenheiro do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan-PE) Frederico Almeida. Significa ir além dos versos sentimentais dos poetas e a prosa lírica de Freyre, para dizer aos de hoje que em cada tropeço nos distanciamos e perdemos de vista a Olinda heroica de Capiba, “monumento secular das velhas gerações, quando ainda era cheia de ilusão, para contemplar a paisagem, olhar teus mares, ver teus coqueirais”.