Centenário: Jornal do Commercio

Robôs, trabalho e renda

É preciso começar por um ambiente de aprendizado do novo conhecimento e habilidades demandadas pelo futuro no presente

SILVIO MEIRA
Cadastrado por
SILVIO MEIRA
Publicado em 03/04/2019 às 1:00
Foto: JC Imagem
É preciso começar por um ambiente de aprendizado do novo conhecimento e habilidades demandadas pelo futuro no presente - FOTO: Foto: JC Imagem
Leitura:

A fábrica da FCA em Goiana tem 700 robôs. E cada um gera sete empregos. Como? Produzir um veículo competitivo e global é um processo complexo com milhares de etapas, exige produtividade e qualidade que seriam impossíveis numa linha de produção inteiramente humana como nas primeiras fábricas do ABC paulista. Sem os robôs, Goiana não existiria, pois não conseguiria produzir, no custo e qualidade, os carros que entrega ao mundo. Esse é o novo estado da indústria global: quantos e quais robôs são necessários numa fábrica para ela ser competitiva... e quantos postos de trabalho eles criam?

Até a política já descobriu isso: Xiao Yafei, prefeito de Dongguan, diz que a indústria diminuiu 280.000 empregos no lugar em 5 anos, instalando 91.000 robôs. A prefeitura investiu US$ 57 milhões nessa transformação só em 2018 para a cidade continuar competitiva, mantendo e atraindo trabalho do futuro. Parece um paradoxo, a cidade investindo para eliminar postos de trabalho, mas não é: o trabalho sendo robotizado agora não é competitivo quando feito por humanos, e seria perdido de qualquer forma no futuro, quando a cidade talvez já não tivesse mais condições de reagir.

Estudo da UnB sobre 2.602 ocupações no Brasil revela que 25 milhões de trabalhadores estão em vagas com probabilidade muito alta (mais de 80%) ou alta (de 60 A 80%) de automação durante os anos 2020. É o dobro do número de desempregados no fim de 2018. Outro estudo diz que o impacto da transformação digital no Brasil será o “deslocamento” de 14% das atividades de trabalho até 2030. Deslocamento, no limite, é extinção de atividades, com trabalho humano substituído por software e/ou máquinas.

Estudo da UnB sobre 2.602 ocupações no Brasil revela que 25 milhões de trabalhadores estão em vagas com probabilidade muito alta (mais de 80%) ou alta (de 60 A 80%) de automação durante os anos 2020


Outros estudos mostram que, nos próximos 15 anos, o trabalho realizado nos países ricos irá produzir muito mais, mesmo quando for muito mais caro por hora, do que na periferia. É o pior dos mundos para um país de baixa produtividade como o Brasil, especialmente quando levamos em conta a sabida falta de eficiência do nosso mercado de trabalho, a baixa performance do nosso sistema educacional e o péssimo histórico das nossas políticas públicas.

A velocidade de deslocamento do trabalho em áreas como serviços (-60% do emprego) no Brasil será duas vezes maior do que a da transição da agricultura para a indústria no começo do século 20, e várias vezes maior do que a capacidade de reabsorção do capital humano. Essa destruição de trabalho por tecnologia não é um pesadelo, mas realidade. O sonho são políticas públicas ágeis e eficazes para lidar com essa mudança, criando novas oportunidades e novo trabalho.

Se fosse possível resumir a crise do futuro do trabalho num parágrafo, seria mais ou menos assim: a introdução de tecnologia para aumentar produtividade “desloca” trabalho; automação e robôs diminuem a demanda por trabalho e travam o crescimento dos salários; por um tempo, o total de vagas é pouco afetado porque as pessoas se deslocam para postos de menor produtividade. O problema é que esse “por um tempo” está ficando cada vez menor.

Também é possível descrever, num parágrafo, como lidar com a crise do futuro (ou presente) do trabalho, sem descartar o desenvolvimento e seus fatores tecnológicos: é preciso começar por um ambiente de aprendizado do novo conhecimento e habilidades demandadas pelo futuro no presente; criar oportunidades de engajamento com o trabalho do futuro e diminuir as dificuldades para quem está perdendo trabalho no presente; e investir na resiliência das economias regionais, tornando-as globalmente competitivas. Tudo muito fácil de dizer e dificílimo de fazer. Inovação é isso. Em tese, é tudo sempre muito simples. Na prática, é, sempre, quase impossível.

* Silvio Meira é professor extraordinário da CESAR.school, Recife, professor emérito do Centro de Informática da UFPE, Recife e fundador e presidente do Conselho de Administração do Porto Digital

Confira o especial sobre o centenário do Jornal do Commercio no link abaixo

jc.com.br/100anos

Últimas notícias