Falar sobre um futuro mais seguro para a nossa segurança é falar em algo que se deseja, mas que já não se tem muitas esperanças ou não se consegue ver a luz no fim do túnel... Isso porque o presente é sombrio e avassalador. Temos quase 3% da população mundial (2,8%) e 11% dos homicídios. Em 2016, foram mais de 62 mil mortes, o que nos coloca na triste condição de recordistas, em termos absolutos, de perdas humanas.
Daí que nosso mundo, nossas conversas, nossas vidas passem a girar em torno do medo. Afinal, um em cada dois brasileiros conhece alguém que sofreu ou experimentou na própria pele as dores da violência. No Rio de Janeiro, um milhão e meio de cariocas vivem sem direitos e garantias constitucionais, sob o domínio das milícias, do tráfico de drogas ou do crime organizado. Será o Rio o Brasil amanhã?
Responder essa pergunta passa pelo presente e pelo futuro da segurança pública, e da capacidade ou não de enfrentarmos a violência epidêmica que nos assola. Escolhi três dentre os múltiplos aspectos que são decisivos, no meu entender, para que tenhamos um futuro mais seguro para todos. São eles: (i) prevenção social, sobretudo aplicada à juventude; (ii) a reforma do sistema prisional; e (iii) a questão das drogas.
Penso que o motor da nossa violência encontra-se na juventude na faixa etária dos 15 aos 24 anos. Em especial, os que se encontram fora da escola e sem trabalho, com famílias desestruturadas, baixa escolaridade e pouca ou nenhuma renda. Eles morrem e matam duas vezes mais que a média nacional.
Noutra ponta, a população carcerária é composta majoritariamente por jovens, 55% do total, o que fecha o ciclo. Sem esquecer que, quando presos, esses jovens tornam-se soldados das mais de 70 facções que controlam as nossas prisões, para poder sobreviver no ambiente prisional e a elas juram fidelidade lá dentro e nas ruas.
O motor da nossa violência encontra-se na juventude na faixa etária dos 15 aos 24 anos. Em especial os que se encontram fora da escola e sem trabalho, com famílias desestruturadas, baixa escolaridade e pouca ou nenhuma renda
Esse quadro aponta para a necessidade e urgência de um programa focado nessa juventude, mas isso infelizmente nós não temos. Entretanto, não seria algo tão difícil de se estruturar, considerando que apenas 123 cidades respondem por 50% dos homicídios. Uma ação que organizasse a atenção de programas de educação, cultura, esportes e assistência social, coordenados e focados na juventude vulnerável existente nestes municípios, impactaria nos nossos atuais níveis de violência, insegurança e homicídios, reduzindo-os.
Um segundo aspecto para que tenhamos mais segurança no futuro é enfrentar a gravíssima questão do nosso sistema prisional. Temos a terceira maior população carcerária do mundo – 726.000 apenados –, só perdendo para os Estados Unidos e China. Porém, ao contrário desses dois países, nossos apenados seguem crescendo na ordem de 8,3% ao ano. Em breve, serão 1,5 milhão, ou seja, uma Porto Alegre.
Dos 1.400 estabelecimento prisionais, a maioria encontra-se sob domínio das facções, que surgiram dentro do sistema e de lá comandam a criminalidade nas ruas. Mas o sistema prisional é um tema maldito e fora da agenda da política nacional. Isso se deve a que, premida pela violência e sentindo-se encurralada, a sociedade exija que os criminosos sejam retirados das ruas, pouco ou nada importando o que se passa para além dos portões dos presídios e penitenciárias. Nestas, jovens com baixa escolaridade e pouca renda nem trabalham nem estudam. Portanto, quando voltam às ruas, agora membros das facções, lhes restará, quase sempre, cometer novos crimes. Tanto que de 40% a 70% deles retornam as prisões.
Mudar esse quadro exige enfrentar a superpopulação carcerária – são 368 mil vagas para o dobro de apenados; ampliar os regimes semiaberto e aberto; e destinar o regime fechado para criminosos que cometeram ou ofereçam risco real à sociedade – caso dos homicidas, sequestradores, chefes do tráfico e de milícias etc. E rever a nossa política de combate as drogas.
Jogar no sistema prisional jovens usuários de drogas, muitas vezes sem antecedentes criminais, sem que estejam portando armas e que não pertencem a gangues, é algo nefasto para eles e para a sociedade.
Isto porque é alta a probabilidade que o jovem em questão seja compelido a afiliar-se a alguma das fações que dominam o sistema prisional para poder lá sobreviver, transitando da condição de usuário de drogas para um criminoso a mais a ameaçar a sociedade.
Não cabe aqui neste espaço dar conta da ampla revisão na nossa política atual de combate às drogas, de resto ineficiente e agravante do problema. Bastaria, inicialmente, uma única medida para impactar positivamente essa questão: estabelecer o limite da quantidade de droga para a definição de quem é usuário e quem não.
Essa definição encontra-se pendente de decisão do Supremo Tribunal Federal, prevista para ir a plenário no segundo semestre deste ano. Do que se venha a fixar como o limite, milhares de jovens deixarão de ir para uma prisão cursar a escola da criminalidade, tornando-se soldados a serviço das facções. Certamente não é tudo ou o suficiente, mas é um decisivo passo inicial.
* Raul Jungmann é ex-ministro da Defesa.
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