Centenário: Jornal do Commercio

Um futuro com mais segurança depende de foco na juventude

Um em cada dois brasileiros conhece alguém que sofreu ou experimentou na própria pele as dores da violência

Raul Jungmann
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Raul Jungmann
Publicado em 03/04/2019 às 0:34
Foto: Diego Nigro/JC Imagem
Um em cada dois brasileiros conhece alguém que sofreu ou experimentou na própria pele as dores da violência - FOTO: Foto: Diego Nigro/JC Imagem
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Falar sobre um futuro mais seguro para a nossa segurança é falar em algo que se deseja, mas que já não se tem muitas esperanças ou não se consegue ver a luz no fim do túnel... Isso porque o presente é sombrio e avassalador. Temos quase 3% da população mundial (2,8%) e 11% dos homicídios. Em 2016, foram mais de 62 mil mortes, o que nos coloca na triste condição de recordistas, em termos absolutos, de perdas humanas.

Daí que nosso mundo, nossas conversas, nossas vidas passem a girar em torno do medo. Afinal, um em cada dois brasileiros conhece alguém que sofreu ou experimentou na própria pele as dores da violência. No Rio de Janeiro, um milhão e meio de cariocas vivem sem direitos e garantias constitucionais, sob o domínio das milícias, do tráfico de drogas ou do crime organizado. Será o Rio o Brasil amanhã?

Responder essa pergunta passa pelo presente e pelo futuro da segurança pública, e da capacidade ou não de enfrentarmos a violência epidêmica que nos assola. Escolhi três dentre os múltiplos aspectos que são decisivos, no meu entender, para que tenhamos um futuro mais seguro para todos. São eles: (i) prevenção social, sobretudo aplicada à juventude; (ii) a reforma do sistema prisional; e (iii) a questão das drogas.

Penso que o motor da nossa violência encontra-se na juventude na faixa etária dos 15 aos 24 anos. Em especial, os que se encontram fora da escola e sem trabalho, com famílias desestruturadas, baixa escolaridade e pouca ou nenhuma renda. Eles morrem e matam duas vezes mais que a média nacional.

Noutra ponta, a população carcerária é composta majoritariamente por jovens, 55% do total, o que fecha o ciclo. Sem esquecer que, quando presos, esses jovens tornam-se soldados das mais de 70 facções que controlam as nossas prisões, para poder sobreviver no ambiente prisional e a elas juram fidelidade lá dentro e nas ruas.

 

O motor da nossa violência encontra-se na juventude na faixa etária dos 15 aos 24 anos. Em especial os que se encontram fora da escola e sem trabalho, com famílias desestruturadas, baixa escolaridade e pouca ou nenhuma renda


Esse quadro aponta para a necessidade e urgência de um programa focado nessa juventude, mas isso infelizmente nós não temos. Entretanto, não seria algo tão difícil de se estruturar, considerando que apenas 123 cidades respondem por 50% dos homicídios. Uma ação que organizasse a atenção de programas de educação, cultura, esportes e assistência social, coordenados e focados na juventude vulnerável existente nestes municípios, impactaria nos nossos atuais níveis de violência, insegurança e homicídios, reduzindo-os.

Um segundo aspecto para que tenhamos mais segurança no futuro é enfrentar a gravíssima questão do nosso sistema prisional. Temos a terceira maior população carcerária do mundo – 726.000 apenados –, só perdendo para os Estados Unidos e China. Porém, ao contrário desses dois países, nossos apenados seguem crescendo na ordem de 8,3% ao ano. Em breve, serão 1,5 milhão, ou seja, uma Porto Alegre.

Dos 1.400 estabelecimento prisionais, a maioria encontra-se sob domínio das facções, que surgiram dentro do sistema e de lá comandam a criminalidade nas ruas. Mas o sistema prisional é um tema maldito e fora da agenda da política nacional. Isso se deve a que, premida pela violência e sentindo-se encurralada, a sociedade exija que os criminosos sejam retirados das ruas, pouco ou nada importando o que se passa para além dos portões dos presídios e penitenciárias. Nestas, jovens com baixa escolaridade e pouca renda nem trabalham nem estudam. Portanto, quando voltam às ruas, agora membros das facções, lhes restará, quase sempre, cometer novos crimes. Tanto que de 40% a 70% deles retornam as prisões.

Mudar esse quadro exige enfrentar a superpopulação carcerária – são 368 mil vagas para o dobro de apenados; ampliar os regimes semiaberto e aberto; e destinar o regime fechado para criminosos que cometeram ou ofereçam risco real à sociedade – caso dos homicidas, sequestradores, chefes do tráfico e de milícias etc. E rever a nossa política de combate as drogas.
Jogar no sistema prisional jovens usuários de drogas, muitas vezes sem antecedentes criminais, sem que estejam portando armas e que não pertencem a gangues, é algo nefasto para eles e para a sociedade.

Isto porque é alta a probabilidade que o jovem em questão seja compelido a afiliar-se a alguma das fações que dominam o sistema prisional para poder lá sobreviver, transitando da condição de usuário de drogas para um criminoso a mais a ameaçar a sociedade.

Não cabe aqui neste espaço dar conta da ampla revisão na nossa política atual de combate às drogas, de resto ineficiente e agravante do problema. Bastaria, inicialmente, uma única medida para impactar positivamente essa questão: estabelecer o limite da quantidade de droga para a definição de quem é usuário e quem não.

Essa definição encontra-se pendente de decisão do Supremo Tribunal Federal, prevista para ir a plenário no segundo semestre deste ano. Do que se venha a fixar como o limite, milhares de jovens deixarão de ir para uma prisão cursar a escola da criminalidade, tornando-se soldados a serviço das facções. Certamente não é tudo ou o suficiente, mas é um decisivo passo inicial.


* Raul Jungmann é ex-ministro da Defesa.


Confira o especial sobre o centenário do Jornal do Commercio no link abaixo

jc.com.br/100anos

 

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