50 anos do golpe militar

Eles sentiram na pele os anos de chumbo

Com o AI-5, muitos brasileiros foram obrigados a sair do País. Com o Decreto 477, vários estudantes precisaram fazer o mesmo

Carolina Albuquerque
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Carolina Albuquerque
Publicado em 03/04/2014 às 5:31
Clemilson Campos/ Acervo JC Imagem
Com o AI-5, muitos brasileiros foram obrigados a sair do País. Com o Decreto 477, vários estudantes precisaram fazer o mesmo - FOTO: Clemilson Campos/ Acervo JC Imagem
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O Ato Institucional número 5 (AI-5) foi uma resposta aos movimentos populares e políticos naquele 13 de dezembro de 1968. Três meses depois, em fevereiro de 1969, a intervenção chegaria às universidades no formato do Decreto-lei 477, que cassava o direito de estudar, debelando o movimento estudantil. O novo cenário de censura e apreensão levou um grupo de jovens estudantes pernambucanos, entre eles Marcelo Santa Cruz (vereador de Olinda) e José Áureo Bradley (membro da Comissão Estadual da Verdade), ao “exílio-estudantil” em Portugal. Aos 20 e poucos anos, desembarcaram num País desconhecido, que também vivia uma ditadura e conviveram com o medo de serem descobertos. 

Já sabendo que estava em curso a cassação do direito de estudar, José Thomaz Nonô, atual vice-governador de Alagoas, trancou a matrícula e partiu para a terra lusitana. Lá, matriculado na Universidade Clássica de Lisboa, foi o contato para trazer os companheiros: Bradley, Santa Cruz, Valdemiro Pereira e Marlene Vila Nova. O cerceamento era tamanho que os cassados tinham que manter distância de cem metros da universidade. Durante aproximadamente quatro meses permaneceram disfarçados pelos corredores da universidade até serem descobertos. 

Em Portugal, procuravam manter-se discretos, mas não deixavam de se reunir toda semana para discutir política e desfrutar da típica comida brasileira

Marcelo Santa Cruz, que cursava o 4º ano de direito na Universidade Federal de Pernambuco, lembra que a ida para Lisboa foi apoiada pela família. “Meu irmão Fernando Santa Cruz já estava na clandestinidade. Eles tinham medo de que fosse preso também”, conta. O primeiro percalço: precisava da folha corrida para conseguir o passaporte. “Eles disseram que só dariam se eu publicasse uma carta, nos jornais, repudiando o comunismo. Uma forma de humilhar. Me recusei”, diz. O pai, que tinha contatos no governo, teve que intermediar, para que o seu filho viajasse.

Meu irmão Fernando Santa Cruz já estava na clandestinidade. Eles tinham medo de que fosse preso também

Marcelo Santa Cruz

Primeiro alugou, junto com outros companheiros pernambucanos, quartos onde dormiam todos amontoados. Depois, conseguiram uma vaga na Casa do Estudante Brasileiro. Vivia com cerca de US$ 70. “Não dava para muita coisa. Para viver bem precisava de mais uns US$ 100”, conta. Já Bradley, quando foi cassado do curso de direito, teve que se esconder numa fazenda em Garanhuns. Em Portugal, procuravam manter-se discretos, mas não deixavam de se reunir toda semana para discutir política e desfrutar da típica comida brasileira, uma maneira de matar a saudade.

Foram surpreendidos em um desses encontros “a la brasileira” pelo general Eloi Menezes. “Ele fez algumas perguntas. Com medo, demos nomes fictícios. Mas isso chamou a atenção”, conta Marcelo. Até que em um momento, Bradley não aguentou e disse que era um estudante cassado pelo 477. “Vocês tiraram das nossas mãos as canetas e os lápis para colocarem metralhadoras’”, reconta. Dias depois foram impedidos de continuar estudando em Portugal e postos na ilegalidade. A partir daí, cada um seguiu o seu caminho.

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