Voto popular

Análise: as Diretas Já de ontem e de hoje no Brasil

Assim como na década de 1980, parte da população vai às ruas pedir eleição direta para presidente da República

Franco Benites
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Publicado em 18/06/2017 às 9:17
Paulo Pinto/AGPT
Assim como na década de 1980, parte da população vai às ruas pedir eleição direta para presidente da República - FOTO: Paulo Pinto/AGPT
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O presidente Michel Temer (PMDB) não renunciou, não teve o mandato cassado pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e aparentemente está longe de sofrer um processo de impeachment, mas ainda assim os pedidos pela saída do peemedebista seguem a todo vapor. Com eles vem também um coro pela realização de eleições diretas 33 anos depois de milhares de brasileiros irem às ruas do País pedir para ter direito a votar para presidente da República.

Apesar das Diretas Já de 2017 terem o mesmo objetivo do histórico movimento da década de 1980 - a chance de ir às urnas escolher quem governará o Brasil -, a professora de História da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Socorro Ferraz, procura demarcar a diferença entre o apelo popular do passado e o de hoje ao afirmar que eles não são produtos do mesmo cenário político.

“As Diretas Já foram um fenômeno político que pertence ao período da distensão política de um regime ditatorial desacreditado. O Brasil vivia os últimos anos da ditadura e a população não elegia o presidente da república desde 1961. Como os atores políticos da oposição ao governo Dilma (PT) conseguiram retirar do poder uma presidente eleita pela povo, pedir Diretas Já nesta conjuntura serve mais como denúncia da insatisfação de grande parte da população”, afirma a professora de História da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Socorro Ferraz.

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De acordo com a professora, o grito de Diretas Já foi resgatado devido à simbologia do movimento de três décadas atrás. “Esta palavra de ordem tem força porque é uma alusão a um fato que emocionou o País, mas do ponto de vista histórico não tem correspondência com os anos 1980. Poderá até acontecer agora, mas não como fenômeno semelhante ao que aconteceu. É bom lembrar que os fatos históricos são únicos e não se repetem”, diz.

O cientista político e professor da UFPE, Adriano Oliveira, pontua outras assimetrias entre os apelos por eleição direta.
“Com o movimento das Diretas Já existia uma maior homogeneidade de desejo e se encontravam ali pessoas de diversas ideologias. No caso específico do movimento atual, ele está muito atrelado a uma esquerda lulista. Na década de 1980, havia mais aderência da sociedade do que as manifestações atuais. Elas me parecem mais localizadas em redes sociais, na imprensa e por parte de analistas políticos do que propriamente uma agenda forte de classe média ou das classes C e D”, analisa.

A discrepância também é assinalada pelo diretor da Faculdade de Direito do Recife, Francisco Queiroz. “Acho que o Diretas daquela época reunia uma coisa mais pura. Este ano agora tem dois aspectos. Uma parte da população não confia no Congresso (para a eleição indireta) e o pessoal ligado ao PT tem esperança que com uma Diretas Já Lula ganhe a eleição. E ainda tem o pessoal de Bolsonaro (PSC-RJ), que pensa na chance dele aparecer”, opina.

ENTRAVES

São Paulo, Rio de Janeiro, Salvador e Recife são algumas das capitais do País que foram palco de manifestações das Diretas Já este ano. Apesar da pressão das ruas, a realização de uma eleição direta para presidente da República antes de 2018 necessita, além da saída de Michel Temer (PMDB), da aprovação de uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC) a exemplo do que ocorreu nos anos 1980.

Em 1983, o então deputado Dante de Oliveira (PMDB-MT) propôs a PEC 05/1983 para alterar os artigos 74 e 148 da Constituição Federal de 1967 e garantir a eleição direta para presidente da República. Em abril de 1984, a PEC foi votada e precisava de 320 votos favoráveis para tornar realidade o desejo de milhares de brasileiros, mas faltaram 22 votos para a sua aprovação - foram 298 votos a favor, 65 contra e três abstenções. Outros 112 deputados nem chegaram a ir ao Congresso. Um ano depois, em maio de 1985, um colégio eleitoral formado dentro do Congresso elegeu Tancredo Neves para comandar o País.

O professor de Direito Eleitoral do Mackenzie, Alberto Rollo, acredita que as chances da PEC da eleição direta ser derrotada em plenário este ano ano como ocorreu no passado são grandes caso vá para votação. “É um processo legislativo demorado e complicado. Uma emenda constitucional exige duas votações no plenário de cada casa e aprovação com quorum de 3/5. Isso significa a aprovação de 49 senadores e de 308 deputados. Acho que a oposição, que está brigando pela emenda, não vai conseguir esse quorum”, analisa.

O advogado José Paulo Cavalcanti também aponta a dificuldade da PEC ser aprovada no Congresso. “Para mudar a Constituição, são necessários 308 votos na Câmara dos Deputados e ninguém tem esses votos. Não se preparam eleições em menos de seis meses. Nesse período, o que vai acontecer com o País?”, questiona. Para ele, a Diretas Já não é um anseio da sociedade, mas de um determinado grupo político. “Quem deseja eleição direta é quem quer que Lula (PT) seja candidato antes de ser preso. As coisas têm que ser ditas como são”, afirma.

A aprovação da PEC para uma eleição direta é vista como algo difícil de ocorrer para o diretor da Faculdade de Direito do Recife, Francisco Queiroz. “A eleição direta tem vários problemas. Primeiro teria que aprovar a Emenda Constitucional e não há tempo de aprová-la (para a eleição ser este ano). O caminho terá que ser eleição indireta, mas terá que haver uma pressão tremenda da sociedade para não serem os piores candidatos”, diz.

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