Amigo de ex-presidente João Goulart descarta assassinato

''Ele não foi assassinado. A ditadura o matou, mas penso que foi de tristeza'', crava o advogado e escritor Iberê Teixeira
Da AE
Publicado em 14/11/2013 às 9:00


Na contramão da expectativa mais forte, de que se encontrem indícios de envenenamento no corpo do ex-presidente João Goulart um são-borjense ilustre contesta a hipótese: “Ele não foi assassinado. A ditadura o matou, mas penso que foi de tristeza”, crava o advogado e escritor Iberê Teixeira, com dotes de oratória de quem se especializou no tribunal do júri, pelas comarcas da região. A afirmação baseia-se, de saída, em duas observações pessoais.

Poucos meses antes de morrer, Jango, que pretendia retornar ao Brasil depois de 12 anos de exílio, confessou ao amigo sua amargura com a decisão do general Sylvio Frota de prendê-lo caso colocasse os pés em território nacional. “Aquilo doía muito no dr. Goulart”, relembra. A outra observação vem do mesmo encontro quando Iberê jantava com o ex-presidente em uma de suas fazendas uruguaias: “Lembro que Tito, cozinheiro do doutor, preparou-nos um ensopado de espinhaço de ovelha, com mandioca. Um cardiopata como Jango, que adorava comidas pesadas, além de uísque e cigarro? Ele um dia passaria muito mal”.

Iberê tornou-se janguista na mocidade, destacando-se como líder estudantil em São Borja. A militância só os aproximou ao longo dos anos. Quando correu a notícia em São Borja da morte do ex-presidente, o jovem advogado pegou seu carro e foi esperar o corpo no trevo de Itaqui, já em solo brasileiro. Lembra-se da confusão armada em torno do funeral improvisado e, em particular do rosto do amigo através do visor ovalado do caixão: “Suas narinas sangravam”.

Hoje rejeita as versões de envenenamento propagadas anos atrás por um ex-agente secreto uruguaio, Mario Neira Barreiro, que confessou ter participado da Operação Escorpião, suposto plano de eliminação de João Goulart. “Esse sujeito é um fanfarrão”, declara. Para Iberê, os testemunhos de Neira Barreiro ao escritor Carlos Heitor Cony, ao historiador Moniz Bandeira e ao próprio filho de Jango, João Vicente, são inverossímeis.

Testemunhos feitos com um único objetivo, segundo o advogado, que preside uma comissão para dar apoio à Comissão Nacional da Verdade neste caso: preso no Rio Grande do Sul, o ex-agente uruguaio pretenderia driblar o pedido de extradição do Uruguai, onde é acusado de múltiplos crimes, qualificando-se como preso político no Brasil.

“A ditadura não iria eliminar Jango no exílio, quando havia alvos prioritários entre as lideranças de esquerda, como Francisco Julião, Miguel Arraes, o próprio Brizola.” O doutor Iberê, figura respeitada em São Borja, ainda vai mais longe: “Onde estão as conversas telefônicas de Jango, que Neira teria grampeado? Por que este sujeito não mostra o que diz ter?”. 

Iberê tem repetido que a perícia sobre restos mortais de Jango pode não encontrar nada de extraordinário. Autor de Os Ossos do Presidente, livro em que trata da exumação de Getúlio Vargas, realizada em1982, também em São Borja, lembra-se perfeitamente dos dois sacos de adubo, boiando na água, que guardaram os ossos de Getúlio por anos a fio, no jazigo dos Vargas. 

Hoje, passados 37 anos da morte de Jango, acredita que a má conservação dos despojos deve inviabilizar a perícia. Se isso acontecer, calcula o advogado cético, a história não fecha. Avalia que este será o pior cenário. 

“O País não pode continuar na dúvida, isso não é bom. Sigo creditando que ele morreu do coração. Mas, claro, ainda poderei morder a língua”. Iberê deve expor suas convicções em novo livro Jango e a Ditadura, em fase de finalização.

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