LEI DE RESPONSABILIDADE FISCAL

Em crise financeira, Estados extrapolam gastos com pessoal

Os Estados comprometeram de 54,45% a 79,18% das suas receitas com o pagamento de pessoal em 2017

Ângela Fernanda Belfort Ângela Fernanda Belfort
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Ângela Fernanda Belfort
Ângela Fernanda Belfort
Publicado em 18/11/2018 às 10:30
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Em maio, a CEPAL estimou que a pobreza poderia atingir 34,7% da população latino-americana (214,7 milhões de pessoas) e a pobreza extrema, 13% (83,4 milhões de pessoas) em 2020. - FOTO: Foto: Pixabay
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A gestão dos Estados, mais uma vez, está em xeque. Das 27 unidades da Federação, 14 ultrapassaram o limite de 60% da Receita Corrente Líquida (RCL) com gastos de pessoal estabelecido pela Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), aquela que foi sancionada há 18 anos com a intenção de limitar os gastos públicos a partir das receitas. Se for contar os que estão próximos aos 60%, são 18, incluindo Pernambuco, de acordo com o Boletim de Finanças dos Entes Subnacionais 2018, divulgado na última terça-feira (13) pelo Tesouro Nacional. A liberação desses dados ocorreu na mesma semana em que alguns governadores eleitos pediram ao futuro presidente, Jair Bolsonaro (PSL), a flexibilização da LRF. Especialistas escutados pelo JC defenderam que a Lei não precisa de revisão e que os gestores estaduais devem se adequar ao novo tempo de crise para cumprir os limites da LRF.

“Não há razões para mudar a LRF. A lei tenta colocar limites nos gastos. O que tem que se fazer é reduzir as despesas. O Estado precisa ser mais eficiente: prestar um serviço melhor, gastando menos. A máquina pública é cara. Há um gasto excessivo com a parte administrativa e burocrática. Precisamos ter mais fiscal (da Fazenda) na rua, professor na sala de aula, médico no hospital e policial. Se um gestor gasta cerca de 60% da sua receita com gastos de pessoal, como fica o restante? É por isso que não se vê mais investimentos”, resume o advogado tributarista da Ivo Barboza Advogados, Alexandre Albuquerque.

Para ele, os gestores estaduais que vão assumir no próximo ano deveriam parar e identificar o que precisa mudar para serem mais eficientes. “Tem que cumprir a LRF e deixar de passar a mão na cabeça de político. Todo mundo tem que dar a sua cota e cobrar uma gestão fiscal mais eficiente dos governantes”, conta.

Os Estados comprometeram de 54,45% a 79,18% das suas receitas com o pagamento de pessoal em 2017. Esses percentuais foram, respectivamente, o menor e o maior no boletim do Tesouro Nacional. O primeiro ficou com São Paulo e o último com Minas Gerais. Pernambuco gastou 58,18% da sua receita para bancar o funcionalismo (incluindo os aposentados). Isso significa que o Estado gastou R$ 1.668 per capita para bancar os servidores ativos e inativos, de acordo com o documento.

Também chama a atenção o fato de o relatório citar dois limites com as despesas de pessoal, uma calculada pelo próprio Tesouro Nacional – dentro do que foi estabelecido no Programa de Ajuste Fiscal (PAF) com os próprios Estados –, e o outro, elaborado com base nos Relatórios de Gestão Fiscal (RGF) feito por cada um dos Estados. Adivinha qual apresenta os percentuais menores de comprometimento da RCL? Em sua grande maioria, os calculados com base nos relatórios estaduais.

Por exemplo, Minas Gerais no cálculo com a metodologia do Tesouro compromete 79,18%, enquanto no percentual elaborado com base no RGF esse percentual fica em 60,81%. “Algumas das metodologias usadas pelo Estado podem ferir as normas da LRF. Cada Estado faz o seu relatório de gestão fiscal e fica difícil saber o que cada um entendeu ser despesa de pessoal ou não”, conclui o professor de Economia da UFPE, Ecio Costa.

Por mais rigor ao método

O economista do Instituto Fiscal Independente (IFI) Rodrigo Octávio Orair defende que deveria ser implementado o Conselho de Gestão Fiscal da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF). “O conselho serviria para padronizar as práticas da gestão fiscal, questão que até hoje não foi regulamentada pelo Congresso Nacional. Cada Estado contabiliza coisas diferentes e, muitas vezes, retiram itens que não consideram despesa de pessoal. Essa contabilidade criativa é aceita pelos Tribunais de Contas dos Estados que aprovam esses gastos”.

Ele argumenta que o Tesouro Nacional não é a instância que deveria definir quais os itens podem ser considerados pagamento de pessoal. A única crítica que Rodrigo faz a LRF é essa falta de padronização na contabilidade dos Estados. “O conselho de gestão fiscal da LRF resolveria isso, porque definiria como despesa de pessoal as mesmas regras para todos os Estados e teria a participação de representantes da União, Estados e Municípios. E, depois disso, os Tribunais de Contas dos Estados só aprovariam as contas (estaduais) dentro desse padrão”, conta. Para ele, o Tesouro Nacional não pode ser responsável por essa padronização a qual deve ser aprovada pelo Congresso Nacional.

Ao ser questionado sobre os 14 Estados que ultrapassaram os 60% da LRF e mais os quatro que estão próximos a esse limite, Rodrigo responde que são duas questões que contribuíram para o atual cenário de aperto fiscal. “Antes da crise, os Estados foram contratando porque tiveram um boom fiscal com o aumento das suas receitas. Houve uma certa imprudência. Não se preparam para a crise e também não se sabia que a crise viria nessa proporção”, revela, acrescentando que os Estados também não podem diminuir os gastos com pessoal de uma hora para outra e a queda da arrecadação dos tributos resultou num percentual maior da receita comprometida com pessoal.

Atualmente, os governadores eleitos desejam que ocorram ajustes na LRF para incluírem itens que hoje são retirados do cálculo, para que as contas estaduais fiquem dentro do limite da LRF (os 60% de comprometimento da receita com pagamento de pessoal). Por exemplo, alguns Estados retiram o valor retido na fonte pelo Imposto de Renda dos servidores, contabilizando um valor menor do que o de fato é recebido pelo funcionário.

Nessa proposta, os Estados ganham mais tempo para se adequar a LRF. O fundamental, diz um consultor ouvido pela reportagem do JC, é buscar o equilíbrio das contas públicas, porque os Estados não devem só aumentar os gastos com pessoal, pois faltarão recursos para outras atividades a serem bancadas pela máquina pública.

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