POSSE PRESIDENCIAL

Os maiores 'abacaxis' que Bolsonaro terá que lidar ao virar presidente

Déficit fiscal, crise na previdência, número de homicídios e falta de médicos: os desafios de Bolsonaro na presidência

Paulo Veras
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Publicado em 01/01/2019 às 8:00
Foto: Mauro Pimentel/AFP
Déficit fiscal, crise na previdência, número de homicídios e falta de médicos: os desafios de Bolsonaro na presidência - FOTO: Foto: Mauro Pimentel/AFP
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“Seria um abacaxi muito grande para qualquer um pegar o leme dessa Nação”, afirmou Jair Messias Bolsonaro em maio de 1992, em uma entrevista ao Jornal do Commercio. Nesta terça-feira (1º), 27 anos depois, o próprio subirá a rampa do Palácio do Planalto para, nos próximos quatro anos, descascar um número sem fim de abacaxis: um déficit de R$ 139 bilhões só no primeiro ano; uma Previdência desequilibrada, mais de 62,5 mil assassinatos; 733 municípios sem médicos para o atendimento da saúde básica – após a saída dos cubanos do programa Mais Médicos –, e uma crise política e ética sem precedentes nas últimas três décadas.

Para a antropóloga Lucia Scalco, que coordenou uma pesquisa com eleitores do novo presidente na periferia de Porto Alegre, um dos desafios de Bolsonaro será administrar as expectativas e evitar uma decepção por parte do seu eleitorado em relação à reforma econômica e política que foi prometida durante a campanha. “Nem que ele queira, ele vai conseguir cumprir tudo o que ele prometeu. Não quero que o País vá mal. Eu convivo todos os dias na periferia e não torço para o quanto pior, melhor. Mas há um despreparo de parte do governo. E ele não tem esse poder”, explica.

Se a segurança foi uma das principais bandeiras da eleição de Bolsonaro, reduzir os níveis de violência não vai ser uma solução fácil. Nos últimos 30 anos, a taxa de homicídio no Brasil dobrou. Saltou de 15 mortes para cada grupo de 100 mil habitantes, para 30 assassinatos a cada 100 mil pessoas. Na história recente, a taxa de homicídios só caiu de forma contínua entre 2004 e 2005; os dois primeiros anos após o estatuto do desarmamento. Desde então, facções criminosas se espalharam pelo País.

“Para controlar os homicídios você precisa fazer com que os Estados passem a colocar como meta a investigação, a prisão de homicidas, um investimento pesado nas áreas de banco de dados e tecnologia. O governo federal pode ajudar muito nesse sentido fazendo uma interlocução do ministério com as secretarias de Segurança Pública, lançando edital com recursos”, diz o cientista político José Maria Nóbrega Júnior, professor da UFMG e especialista em segurança pública.

Nóbrega Júnior lembra que não há coordenação entre as ações de combate e prevenção à violência de municípios, Estados e da União. E lembra que, embora seja inovador, o Sistema Único de Segurança Pública (SUSP) só pode funcionar se houverem estatísticas criminais muito bem desenhadas e padronizadas; o que não ocorre hoje nem entre inquéritos de um mesmo Estado. “O crime hoje está vencendo no País. Não tem o que comemorar. Os governos têm atuado de forma lamentável no controle da criminalidade. Não trabalham com inteligência. Não tem banco de dados definido e consolidado. E aí o presidente da República vai resolver isso? Só se ele fosse mágico, o que ele não é”, adverte Nóbrega Junior.

Outro pilar da campanha de Bolsonaro foi o combate a corrupção. O novo presidente surfou na onda pós-Lava Jato que atingiu partidos grandes e tradicionais da política brasileira como PT, PSDB e MDB. Após a eleição, o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) apontou movimentações atípicas de R$ 1,2 milhões feitas por um ex-assessor do filho do presidente, o senador eleito Flávio Bolsonaro (PSL-RJ).

“A coisa que mais mobilizou a eleição desse governo foi a luta contra a corrupção. O País tem uma imagem generalizada de corrupção que você não sabe mais onde começa e onde termina. A corrupção está tão generalizada que não é possível que esse governo que se elegeu para lutar contra ela não desenvolva nenhuma estratégia para essa luta. A escolha de Sergio Moro como ministro da Justiça aponta nessa direção”, avalia o sociólogo Aécio Gomes de Matos, integrante do Movimento Ética e Democracia.

Na saúde básica, o País perdeu mais de oito mil médicos cubanos que atuavam principalmente em cidades do interior e nos rincões onde os profissionais brasileiros evitam atuar. “É preciso ter uma política mais forte na atenção básica que passe também pelo programa Mais Médicos. A questão é não só do provimento, de colocar médicos para atender no interior, mas também de formação do profissional de todas as categorias da saúde. A interiorização da formação é fundamental para que a gente possa ter médicos em todo o território nacional”, argumenta Mauro Junqueira, presidente do Conselho Nacional de Secretários Municipais de Saúde.

Ministérios

A primeira promessa descumprida ainda no período de transição foi a redução de 29 para 15 no número de ministérios. Pressionado por lobbys e pressões internacionais, Bolsonaro voltou atrás e acabou fechando uma Esplanada com 22 ministros. O prometido corte no número de cargos comissionados ainda não foi efetivado. “Com relação à redução de despesas, isso pode acontecer ou não. Na medida que você funde ministérios, o mais normal é que aconteça. Mas não vai haver uma grande redução de gastos com isso. Os grandes gastos governamentais estão em outras coisas; notadamente na Previdência. Como medida de redução de despesas, não vai ter impacto muito significado”, ressalta o cientista político Sérgio Praça, professor da Fundação Getúlio Vargas.

Segundo Praça, também não é garantido que a diminuição no número de ministérios gere eficiência na execução de políticas públicas. “Na área econômica, a fusão do ministério da Fazenda com o ministério do Planejamento é hipercomplexa. Eu, se fosse presidente, não faria essa fusão. Vai resultar em uma estrutura gigantesca, muito difícil de monitorar e controlar”, explica.

Outro desafio do governo é garantir maioria no Congresso para aprovar reformas sem fazer negociações tradicionais e troca de cargos com partidos políticos. “Há uma expectativa em relação à articulação política do governo. Ela precisa ser capaz de impulsionar uma agenda de reformas complicadas junto ao Legislativo em uma dinâmica que é inovadora. O presidente decidiu conversar com as bancadas por setor, não com os partidos. E a eficiência disso ainda é uma incógnita”, adverte Ronnie Duarte, presidente da OAB-PE.

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