Literatura

Cordéis ironizam o mundo político

Livretos, que foram a maior fonte de notícias políticas no interior do Brasil de meados do século 20, seguem criticando a corrupção e são destaque na Fenearte

Cláudia Vasconcelos
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Cláudia Vasconcelos
Publicado em 02/07/2011 às 16:55
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Entre as décadas de 1920 e 1950, notícia importante na política se espalhava pelo interior do Nordeste não por jornal ou rádio. A eleição de um senador, a morte de um político importante e denúncias de corrupção chegavam à boca do povo pelos versos dos folhetos de cordel.

A chegada da televisão e, posteriormente, da internet diminuíram esse papel desempenhado pela literatura que se pendura em cordinhas. Porém a arte dos poetas populares não se entrega. Ao lado de temas como futebol, traição, sogra e “causos”, a política segue sendo vítima de crítica mordaz nos livretos xilogravurados.

Tema deste ano da Feira Nacional de Negócios do Artesanato (Fenearte), a literatura de cordel invadiu até os estandes que não costumam vender os folhetos. A pedagoga e cordelista olindense Rivani Nasario destila veneno contra a corrupção em Políticos Picaretas, no qual critica os que fazem promessas vãs em busca de um mandato que só trará benefícios aos eleitos.

Mas esse não é a primeira incursão dela pelo tema. Em 2008, chegou a ter um poema proibido de circular pela Justiça porque um candidato sentiu-se ofendido pelas rimas. “O cordel se chamava Político Xexeiro e falava de um candidato a prefeito de Olinda. Ele entrou com ação e o Tribunal Regional Eleitoral mandou recolher as cópias. Então fiz Políticos Picaretas como resposta”, conta.

Uma das estrofes diz: “Têm políticos nervosos / As propostas nunca têm / Só sabem mesmo é brigar / Competência é no além / Só pensam em ganhar dinheiro / Pra família se dar bem”.

Rivani vê no cordel um meio de esclarecer a população. “Uso os cordéis como instrumento pedagógico, para que meus alunos melhorem seu voto. Não faço política partidária, meu trabalho é instrumento de democracia”, discursa a artista, professora na rede pública de Olinda (Grande Recife).

Há quem teça comentários elogiosos acerca de políticos que admira, como o cordelista Adelmo Vasconcelos. Um dos mais recentes traça a biografia da presidente Dilma Rousseff (PT). Diz um trecho: “O pobre e o grãfino / Que torcem pelo Brasil / Sabem que Dilma venceu / Por seu porte, seu perfil / E a sua competência / Dentro da Casa Civil”.

Mas Adelmo já escreveu também sobre o mensalão, maior escândalo de corrupção durante o governo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2010). “Política sempre rende cordel, e o tema mais frequente é corrupção. O Brasil, sendo um país tão bonito, não merece os políticos que tem."

A chegada do ex-deputado federal Severino Cavalcanti (PP) à presidência da Câmara Federal, em 2005, tampouco escapou aos poetas populares. Denúncias de nepotismo e a promessa de aumento salarial aos parlamentares fazem parte das críticas em verso.

Outro personagem frequente é o ex-presidente Lula, que em O desabafo do matuto, do cordelista Davi Teixeira, ouve poucas e boas de um sertanejo irritado com o descumprimento de promessas.

Altair Leal, também cordelista do Estado, só ressente-se do fato de os cordéis políticos não fazerem tanto sucesso quanto em meados do século passado. “A notícia corria no cordel. Como a maior parte do povo do interior soube da morte de Getúlio Vargas? E como Lampião ficou tão famoso?”, relembra.

Segundo a Fundação Joaquim Nabuco, de fato os 60 títulos de cordel sobre a morte de Vargas foram um fenômeno: venderam dois milhões de cópias.

Resta saber se a Fenearte vai contribuir para ressuscitar parte desse êxito. A feira segue no Centro de Convenções de Pernambuco até domingo, dia 10. Ingressos custam R$ 6 de segunda a quinta e R$ 8 sexta, sábado e domingo, com meia entrada.

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