Qual o Recife administrado pelos prefeitos nas primeiras décadas do século passado? Não são só as roupas, costumes e composição da população diferenciam a capital de hoje daquela de cem anos atrás, como também o próprio reconhecimento do que era de fato a cidade. Se atualmente a Veneza brasileira se confunde com as vizinhas Olinda e Jaboatão dos Guararapes, naquele tempo essa irmandade era menos nítida, com as áreas mais distantes do Centro tomadas por manguezais, que foram sendo substituídos pelos mocambos.
Uma análise da planta da cidade de 1906 mostra que a ocupação ainda era concentrada nas regiões próximas ao Porto, como o Bairro do Recife e Santo Antônio, mas já apresentando o início de ramificações. A historiadora e doutora pela UFPE Vera Lúcia Braga conta que o núcleo de povoação, neste período, “já era percebido em arrabaldes como os correspondentes aos bairros de Santo Amaro, Espinheiro, Encruzilhada, Aflitos, Ponte d’Uchoa, Capunga, Torre, Madalena e Afogados”. “Toda população que vivia fora disso era Recife e não era Recife ao mesmo tempo, parecia outra cidade”, afirma a pesquisadora. Os vereadores e os prefeitos saiam sempre desse “Recife da gema (área central)”, discorre o historiador da UFPE Severino Severino Vicente.
A própria capital era dividida entre a parte rural e urbana. “As Avenidas Norte e Abdias de Carvalho, por exemplo, que hoje são indispensáveis para a cidade, naquele tempo não eram vistas como parte do Recife. Eram vistas como rural. Ainda existia esse Recife rural até a década de 1960”, explica Vicente.
Parte do desenvolvimento nesse primeiro período, conta o historiador, seguia também uma lógica que atendia o poder aquisitivo da população. “Você tinha os bondes que ligavam o Bairro do Recife até Casa Forte. O bonde já não ia para lugares mais pobres, como a Caxangá, uma área rural naquele momento. Esse caminho também foi seguido na implantação da iluminação elétrica e no fornecimento de água encanada.