O Recife do início do século 20 era uma amálgama de contradições. Refletia o que era o Brasil. Recém saída do Império, com a Proclamação da República em 1889, a cidade reunia junto com as demais capitais o imperativo de ter o prefeito indicado pelo governador do Estado – prática que perdurou até a década de 1950 – o que fazia o debate político passar ao largo da população. A fragilidade institucional do município se refletia não só no mecanismo de escolha do prefeito – na prática, era como mais um secretário estadual –, como também na ineficiência do poder público em atender às demandas cada vez maiores de uma população, em sua maioria, extremamente carente. Problemas que foram sendo agravados pela instabilidade política: nas primeiras cinco décadas do século passado, a média foi de um prefeito a cada dois anos e meio.
O desafio dos governantes aqui era pôr fim a tudo que ainda lembrava o que foi retratado por cronistas europeus no século anterior como um Recife essencialmente dependente da atividade açucareira e do porto, com logradouros de terra, bondes movidos por tração animal, iluminação pública precária e, muito pior do que hoje, saneamento básico quase inexistente. Era preciso fazer surgir uma capital moderna, “civilizada”, com uma reforma estrutural profunda que, para o bem e para o mal, se revela no Recife de hoje.
Mas o começo do século 20 também atendia ao luxo, tentando copiar o que se entendia como “os bons costumes europeus”. Raimundo Arrais, em Recife Culturas e Confrontos, conta que a elite, formada sobretudo por comerciantes e pela sociedade ligada ao açúcar, “estampava elegância na Rua Nova, em cafés e boutiques, sempre com a cultura francesa”. Porém, crescia nessa mesma elite o incômodo com a presença cada vez maior dos novos moradores, pessoas que fugiam do interior, da baixa na produção açucareira, da fome e da seca.
Neste contexto, não foram poucos os homens que ocuparam o posto máximo do executivo municipal. De Francisco do Rego Barros, em 1891, até a segunda administração de Pelópidas Silveira, em 1956, foram 27 prefeitos – todos indicados. O povo não tinha direito ao voto, ou então o exercia apenas para a escolha dos vereadores. Deve-se salientar aqui que o “povo” votante pouco tinha da abrangência que o termo denota. “Na prática menos de 20% da população podia exercer o voto. Eram vetados os analfabetos, o que representava mais de 80% da população. Um contrassenso que não existia nem na época do Império. Nesse primeiro momento, a República aleijou ainda mais a população do seu direito de escolha”, afirma o historiador da UFPE Severino Vicente.
Nessas cinco primeiras décadas, as realizações na infraestrutura foram inúmeras. “Ruas e avenidas ainda existentes hoje foram erguidas, como o Parque 13 de Maio, Estrada dos Remédios, Avenida Guararapes. O serviço de bonde deixa de ser movido por tração animal para ser eletrificado”, recorda o historiador do Museu do Recife, Sandro Vasconcelos. A eletricidade chegou e revolucionou a cidade, o lazer, o comércio, sendo usada para iluminação pública, substituindo o gás.