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O desafio da habitação para o futuro prefeito do Recife

Nos Coelhos, comunidade de Roque Santeiro vê subestação da Celpe avançar sobre terreno que um dia desejaram

JC Online
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Publicado em 22/09/2016 às 7:58
Foto: Fernando da Hora/JC Imagem
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Aos 80 anos, Maria José da Silva Lagos sonha com uma moradia segura, sem risco de despejo e de fácil acesso. Há quase 30 está na comunidade Roque Santeiro, às margens do Rio Capibaribe, nos Coelhos, área central do Recife. Sua família é uma das mais de 300 que habitam na comunidade. Parte das palafitas do passado transformou-se em barracos mistos, de alvenaria no primeiro pavimento, e de madeira no superior, separados por vielas onde escorre o esgoto e a água das maré alta. Nos últimos meses eles passaram a conviver, ao lado de suas casas, com a montagem de uma subestação da Companhia  Energética (Celpe), que gera medo de vibrações, descarga elétrica e incêndios. “Algumas residências como a minha começaram a rachar. Os postes estão sendo instalados muito próximos da parede dos imóveis”, mostra o morador Rildo Rodrigues.  

A Celpe nega os riscos   e alega que a Subestação Ilha do Leite atenderá cinco bairros, incluindo  consumidores dos polos médico e jurídico. Estima-se que exista no Recife um déficit de 62 mil casas, conforme apurou a 6ª Conferência Municipal da Cidade, realizada no ano passado, reunindo representações dos movimentos de luta pela moradia, ONGs, arquitetos, urbanistas e gestores do planejamento urbano. Conciliar as demandas do desenvolvimento com uma forma mais sustentável de vida não pode escapar da pauta do futuro prefeito.

Para Socorro Leite, diretora nacional da ONG Habitat, é necessário destinar mais áreas para habitação popular e fazer a regularização fundiária de  assentados, opinião idêntica a de Renan Castro, advogado do Centro Dom Helder Câmara, que milita pela reforma urbana  “É preciso acabar as palafitas, mas com uma alternativa que não seja a de remover essas populações para locais distantes dos espaços onde elas já têm relações construídas”, diz Socorro. Muitos desses moradores vivem do pequeno comércio e da prestação de serviços nos bairros onde habitam.

Prédios abandonados para moradia popular

Os movimentos sociais defendem que a prefeitura use o estoque de prédios vazios do centro para corrigir o déficit habitacional e estimule, por outro lado, moradias para a classe média na mesma região, diminuindo impacto no trânsito.  A Conferência da Cidade denunciou a desatualização do Plano Diretor e da Lei de Uso e Ocupação do Solo, a elevada especulação imobiliária e o adensamento em áreas sem capacidade de ampliação de infraestrutura. Uma plataforma com dez propostas assinadas por 38  movimentos sociais e organizações civis pede a elaboração do Plano Municipal de Habitação de Interesse Social  até junho de 2017.

Para o arquiteto e urbanista Geraldo Marinho,  o replanejamento urbano deveria ser o primeiro passo do futuro prefeito. “Nas últimas décadas houve esforço para alterar leis, mas não se conseguiu exercer controle do espaço urbano. A legislação exige que todos os lotes tenham pelo menos 20% de área sem pavimentação. Ninguém cumpre”, avalia.

AS PROPOSTAS DOS CANDIDATOS A PREFEITO DO RECIFE

O que deve ser revisto no Plano Diretor da Cidade e como deve resolver a carência de habitação popular ?

Carlos Augusto Costa (PV)

“O Plano Diretor da Cidade de 2008 avançou na área social, mas na urbanização, boa parte ficou sem regulamentação, incluindo o IPTU progressivo, a transferência de direito de construção, outorga onerosa (pagamento pelo excedente de área construída), que só vigora em um dos 94 bairros do Recife (Boa Viagem). Vamos rever a forma de planejar a cidade, mantendo o respeito às pessoas, ao meio ambiente, à memória e à inclusão social. Iremos aperfeiçoar o método de licenciar os empreendimentos, regulamentando o que falta. É necessário a regularização fundiária, assim como reduzir drasticamente a subjetividade e a burocracia na aprovação de projetos. Hoje há insegurança jurídica para empreendedores e para a sociedade. Não se admite que não haja prazo para aprovar projetos e que um mesmo projeto ganhe até 12 protocolos na prefeitura. Agilizar é preciso e garantido cumprimento da legislação”.

 

Daniel Coelho (PSDB)

“O Plano Diretor deve contemplar a integração e o casamento entre o planejamento urbano com o plano de mobilidade da cidade. Além disso, é preciso haver um debate amplo com todos os segmentos organizados da sociedade para que, com transparência, critérios para o crescimento urbano seja estabelecido em todo o território do Recife, considerando os aspectos sociais, ambientais e econômicos. Com relação à habitação, vamos realizar os mutirões populares para urbanizar e dar condições dignas para as pessoas que moram em as áreas planas, não urbanizadas. Através dos mutirões, a prefeitura entra com o material, projeto e o acompanhamento técnico com engenheiros e arquitetos e a população entra com mão de obra. Desta forma, é possível pavimentar becos e vielas e a transformação de barracos em casas de alvenaria. Nas áreas de palafita, realizaremos a transferência para habitacionais”.

 

Edilson Silva (PSOL)

“A revisão do Plano Diretor deve ser participativa de verdade para que possamos combater a desigualdade social e desfrutar do melhor que o Recife pode ser. Precisamos equilibrar o crescimento da cidade, produzindo mais habitação onde há melhor infraestrutura de transporte coletivo e de uma forma que não inflacione tanto o custo da moradia na cidade. O Estatuto da Cidade prevê que o mercado imobiliário contribua financeiramente na oferta de moradia popular e na melhoria da infraestrutura. Basta regulamentar. Queremos garantir a utilização de imóveis ociosos no centro e desenvolver novas centralidades urbanas. O planejamento da mobilidade também é fundamental. Dar espaço para transporte coletivo e meios não-motorizados, como a bicicleta, é barato e necessário, por razões econômicas, urbanísticas, ambientais e sociais. A política de mobilidade não deve priorizar o automóvel.”

 

Geraldo Julio (PSDB)

“Para superar a ausência de um projeto de desenvolvimento em bases sustentáveis, nossa gestão resgatou a importância do planejamento urbano orientando ações imediatas e de longo prazo. Projetos como o Parque Capibaribe e o Centro Cidadão desenham uma relação saudável com a natureza, articulação entre espaços públicos e privados, rotas cidadãs e maior conforto ambiental. A legislação urbanística começou a ser atualizada para espaços de proteção ambiental, áreas históricas e culturais, saneamento, drenagem e mobilidade, com realização de estudos e debates necessários para a revisão do Plano Diretor e normas de uso do solo. A desconcentração do desenvolvimento, com reversão de desequilíbrios e desigualdades nas condições de infraestrutura e habitação constituem diretrizes fundamentais para um novo ciclo na história da cidade. Trabalho que terá continuidade com diálogo permanente e participação social.”

 

João Paulo (PT)

“A política de desenvolvimento urbano deve ter como princípio a democratização do acesso aos equipamentos públicos, igualdade de direitos, justiça social e respeito à identidade cultural da cidade. Nossa visão de planejamento urbano é incorporar o conceito de gestão metropolitana, retomar o modelo de desenvolvimento da cidade com sustentabilidade ambiental e inclusão social, valorizar os espaços públicos e, com isso, melhorar a qualidade de vida das pessoas. Queremos levantar essa discussão no início da gestão, antecipando a revisão do Plano Diretor do Recife, marcada para 2018. Destaco três pontos a serem discutidos: a oferta de novas moradias; a reforma de imóveis precários e regularização fundiária. Além disso, vamos resgatar o programa habitacional da cidade e retomar as obras abandonadas, com prioridade para a população residente em áreas de risco, de conflitos e em palafitas.”

 

Pantaleão (PCO)

“Falta por parte da administração municipal o cumprimento de diversos aspectos estabelecidos no Plano Diretor e que não são cumpridos, como a regularização fundiária, cumprimento do Prezeis, remoção e reassentamento de áreas de risco, ampliação das Zonas Especiais de Interesse Social (Zeis), etc. Em relação à especulação imobiliária a proposta é de alteração do Plano Diretor e aumentar a alíquota progressiva do IPTU de 15 para 50% para imóveis que sirvam à especulação imobiliária. Em caso de inadimplência dos imóveis que não tenham função social, desapropriação sem indenização. Sobre o déficit habitacional, criar grandes frentes de trabalho para edificação de dezenas de conjuntos habitacionais aproveitando a mão de obra que está desempregada na cidade. Uma parte do terreno do Cais José Estelita será destinada para conjuntos habitacionais populares e não para conjuntos empresariais.”

 

Priscila Krause (DEM)

“O déficit habitacional precisa ser enfrentado a partir da mudança de lógica da administração. Priorizarei a retirada das palafitas, que expõem muitas famílias a perigos de toda ordem. Será uma obsessão da minha gestão. Farei isso concluindo obras inacabadas, como o Vila Brasil, na Joana Bezerra, o Casarão do Barbalho, na Iputinga, e o Sérgio Loreto, em São José. Sobre os instrumentos urbanísticos, é fundamental atualizá-los a partir de uma lógica diferente do que se tem hoje: enxergar os terrenos da cidade a partir do olhar de fora pra dentro, da cidade para o lote. Faz-se necessário, portanto, a adequação do Plano Diretor ao Plano de Desenvolvimento Urbano Integrado da RMR, a apresentação do Plano de Mobilidade, a modernização da Lei de Uso e Ocupação do Solo, que já tem vinte anos, e a complementação da legislação emanada dos planos mencionados."

 

Simone Fontana (PSTU)

“Devem ser retiradas as parcerias público privadas uma vez que a cidade tem sido ocupada por grandes construtoras que excluem a população mais pobre, trazem impactos negativos na mobilidade, na distribuição de água no despejo de esgoto e na segurança, pois na maioria são cercadas por altos muros. Os conselhos devem ser representados por movimentos que lutam pela moradia e pelo espaço urbano, sem as empreiteiras. Nossa proposta: dar a função de moradia popular a prédios, casarões e edificações que se encontram inutilizadas por um período maior que dois anos; suspender imediatamente todos os despejos de áreas públicas municipais ocupadas por famílias de baixa renda com finalidade de moradia; uma empresa municipal e estatal de obras pode garantir a construção das moradias populares que faltarem, a baixo custo, garantindo emprego, qualidade e atacando a especulação imobiliária e garantir a universalização do saneamento básico.”


 

Foto: Fernando da Hora/JC Imagem
Há décadas no centro, moradores de Roque Santeiro ainda não foram contemplados por habitacional - Foto: Fernando da Hora/JC Imagem
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Há décadas no centro, moradores de Roque Santeiro ainda não foram contemplados por habitacional - Foto: Fernando da Hora/JC Imagem
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Enquanto novos prédios surgem na Ilha do Leite, palafitas dos Coelhos se verticalizam na alvenaria - Foto: Fernando da Hora/JC Imagem
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Moradores de Roque Santeiro denunciam rachaduras após instalação de subestação da Celpe - Foto: Fernando da Hora/JC Imagem
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Moradores de Roque Santeiro denunciam rachaduras após instalação de subestação da Celpe - Foto: Fernando da Hora/JC Imagem
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Moradores de Roque Santeiro denunciam rachaduras após instalação de subestação da Celpe - Foto: Fernando da Hora/JC Imagem
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Postes com transformadores são instalados ao lado das casas da comunidade Roque Santeiro - Foto: Fernando da Hora/JC Imagem
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Subestação da Celpe, ao lado de comunidade nos Coelhos, vai atender polos médico e jurídico - Foto: Fernando da Hora/JC Imagem
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Moradores veem subestação da Celpe ser montada em terreno que um dia sugeriram para habitacional - Foto: Fernando da Hora/JC Imagem

 

 

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