Corrupção

Vantagens e subornos cercam o poder desde o período colonial

Historiador conta como as relações escusas estão há tempo na vida política brasileira

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Publicado em 28/05/2017 às 22:56
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Se você está estarrecido com as frases contemporâneas, das delações premiadas – “comprei um deputado...”, “dei propina para comprar um partido”, “ninguém se elege sem caixa dois” e “fazer reservatório da boa vontade”– saiba que subornar e tirar vantagem dos cofres públicos não é de hoje. A corrupção é um dos traços mais antigos das sociedades humanas com distinções sociais e hierarquias de poder, conta o professor do Departamento de História da Universidade Federal de Pernambuco, George Cabral.

 

“Onde há poder, sempre houve corrupção. Nos textos das civilizações antigas e mesmo na Bíblia há inúmeras referências à ela. Nem sempre a prática foi chamada pelo vocábulo ‘corrupção’, mas o ato de se valer de uma posição de mando ou de gestão para auferir vantagens pessoais e para redes familiares ou clientelares é quase tão antigo como o surgimento da civilização. O grau de aceitação e as sanções a essas práticas variam no tempo e de acordo com as sociedades”, ensina.

O historiador diz que os europeus trouxeram para a América um arsenal de práticas hoje tratadas como antiéticas, tais como nepotismo e invasão do público pelo privado. “Se observarmos o final da carta de Pero Vaz de Caminha ao Rei Dom Manuel I, encontramos um pedido de favorecimento do escrivão de Cabral a um cunhado que estava em Portugal. As autoridades enviadas pela coroa para a colônia e as elites locais que ocupavam postos de mando, como nas câmaras municipais, frequentemente se locupletavam de suas posições para auferir vantagens pessoais”.
Como era impossível manter o pleno controle desses agentes, devido às distâncias e as comunicações precárias, o monarca via-se obrigado a negociar muitas vezes com o assessores. “A lei previa punições rigorosas aos ‘descaminhos’, mas apenas os casos mais escabrosos eram punidos. Como a lei não era igual para todos, sujeitos de sangue nobre e das famílias mais importantes muitas vezes conseguiam escapar impunemente”.
George Cabral destaca que alguns cargos eram vendidos pela coroa e seus ocupantes faziam de tudo para recuperar o que tinha sido investido na compra. “No século XVII, o Padre Antônio Vieira denuncia em vários de seus sermões as práticas nefastas dos mandatários no Brasil colonial. Quando consultado pelo rei se era válido criar uma segunda repartição no governo do Maranhão, respondeu que não, pois bastava o prejuízo dado por um ladrão. Os governadores da capitanias muitas vezes embolsavam o dinheiro que deveria ser usado para pagar as tropas ou realizar obras. Também usavam amiúde testas-de-ferro (ou laranjas como se diz hoje) para participar de atividades comerciais das quais eram proibidos tomar parte”.

Combate aos corruptos foi uma das bandeiras da Revolução Pernambucana de 1817


Há duzentos anos, completa o professor, uma das bandeiras da Revolução Pernambucana de 1817 foi o combate aos desmandos e práticas corruptas das autoridades régias. E as as práticas de corrupção não eram privilégio dos povos ibéricos durante o período colonial. “Mesmo o famoso Conde João Maurício de Nassau, governador do Brasil Holandês, foi acusado na sua época de tirar vantagens de seu cargo”.
Os poderosos do Brasil procuravam usar o poder para favorecer a si e aos seus “panelinhas”. “A prática mais comum era a de interferir nas deliberações para evitar punições, perdas materiais ou facilitar maiores ganhos”. Julgamentos parciais, acobertamento de casos de sonegação ou contrabando, apropriação de terras da coroa ou das comunidades, impunidade em massacres de populações indígenas para se apropriar de seus territórios, ganhar indevidamente recursos depositados judicialmente eram exemplos desse comportamento. “Era uma longa lista de possibilidades de meter a mão na propriedade alheia ou mesmo do Rei, ou de ganhar um ‘por fora’ para livrar criminosos das punições previstas em lei”, relata George Cabral.
Na opinião do historiador, “a onipresença dos descaminhos e do mau-governo parece haver insensibilizado o povo brasileiro e criando a sensação de que não vale a pena ser honesto, ou de que um pequeno ato de corrupção não é algo grave quando comparado aos desmandos cometidos pelas elites”. Ele acredita que de fato é muito difícil extirpar essas práticas quando o exemplo vem de cima, repetidamente ao longo de séculos sob o manto da impunidade. “Tal como ocorria na colônia, até hoje os mais penalizados são os mais humildes”.

Os escândalos de corrupção e os discursos contra ela sempre se repetiram ao longo da história política brasileira. Foi assim na defesa da ditadura militar, na década de 1960, e na eleição de Fernando Collor, na retomada da democracia. Ele se elegeu dizendo lutar contra os Marajás de Alagoas, mas acabou renunciando depois da denúncia de esquema de corrupção executado pelo tesoureiro de sua campanha, Paulo César Farias.

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