TECNOLOGIA

Ativismo digital e cidadania proliferam nas redes sociais

Ativismo digital vai de WhastApp a aplicativo próprio. Poder público tenta dialogar com novo público

Paulo Veras e Luísa Farias
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Paulo Veras e Luísa Farias
Publicado em 28/10/2017 às 15:00
Foto: Felipe Ribeiro/JC Imagem
Ativismo digital vai de WhastApp a aplicativo próprio. Poder público tenta dialogar com novo público - FOTO: Foto: Felipe Ribeiro/JC Imagem
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Mais de 4,5 mil e-mails contrários à construção da Arena Porto foram recebidos em 12 horas pelos gestores da Agência Estadual de Meio Ambiente (CPRH), em novembro de 2016. O empreendimento em Porto de Galinhas acabou embargado. O movimento online foi encabeçado pelo Meu Recife, braço pernambucano de uma rede de ativismo digital brasileira premiada pela ONU. Em abril deste ano, o grupo conseguiu revogar o aumento para R$ 4,5 mil do auxílio-alimentação da Câmara do Recife depois de enviar 1,3 mil e-mails para cada vereador.

O uso de mídias sociais e ferramentas digitais para cobrar medidas do poder público tem se multiplicado nos últimos anos. “Hoje em dia, todo ativismo tem que ser, de uma forma ou de outra, digital. É a plataforma mais democrática e uma ferramenta para impulsionar os nossos discursos”, afirma a publicitária Izabel Albuquerque, fundadora do Meu Recife. “É muito mais fácil para atingir as pessoas com uma linguagem mais acessível. Mas é mais difícil de converter aquele clique ou envio de e-mail em uma participação efetiva nos espaços de decisão ou em um protesto”, ressalta.

Nos bairros, o WhatsApp virou a principal rede de contato direto com representantes do poder público, como Emlurb, Polícia Militar e a Secretaria de Defesa Social (SDS). A violência tem sido uma das principais preocupações desses movimentos.

O Grupo de Governança Comunitária do Alto José do Pinho usa o aplicativo para trazer o poder público para reuniões na comunidade e ouvir demandas. “Em alguns casos a gente cria canais diretos de comunicação em setores específicos”, disse o coordenador de projetos do grupo, Roberto Renato Carneiro. Por meio de fotos, vídeos e textos, os moradores fazem suas denúncias. “A gente recebe registro de problemas e vai intervir nessas realidades”, afirma Roberto. Entre as demandas atendidas graças à articulação nas redes, estão o Plano de Mobilidade do Alto José do Pinho. Ruas tiveram o tráfego reorganizado para dar mais fluidez ao transporte público, numa ação integrada da PM com a CTTU.

Com o grupo de WhatsApp Casa Forte Mais Segura, moradores do bairro conseguiram levar para reuniões três secretários municipais do Recife, delegados e o comandante do batalhão que atende a região. Obtiveram também queda no número de roubos e assaltos, mudança no trânsito e ações de iluminação. As sugestões vieram após caminhadas pelo bairro para identificar problemas. Coordenador do grupo, o empresário Yves Nogueira tem sido procurado por moradores da Jaqueira e Rosarinho interessados em replicar a experiência.

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Na Zona Sul, o Coletivo Setúbal também conseguiu reduzir o número de crimes ao patrimônio após mapear todas as ocorrências como assaltos e arrombamentos, além de listar 26 pontos críticos de iluminação no bairro. Pelo WhatsApp, morados avisam à polícia quando e onde um crime está ocorrendo em tempo real, além de ajudar a repassar imagens de câmeras de vigilância. A Emlurb e a Compesa fizeram mutirões no bairro e o coletivo realiza reuniões mensais com a polícia. “O aplicativo facilitou a publicidade dessas demandas. Antes, as informações ficavam dispersas”, explica a advogada Paula Rúbia.

O Centro Educacional Popular Saber Viver, que atua há 34 na Ilha de Deus, na Imbiribeira, tem a inovação e a sustentabilidade como principais pilares. Mantido com doações e trabalho voluntário, o centro aposta na comunicação digital para combater a invisibilidade de uma região por anos esquecida. O Saber Viver administra três sites, um deles em alemão, por meio de parceria entre organizações e o governo da Alemanha, além da atuação por meio das redes sociais. “A Ilha de Deus é uma comunidade praticamente esquecida pelos órgãos públicos. Fazendo essa divulgação, traz muita visibilidade. A gente consegue mais parceria”, afirmou Maurício Herculano, integrante da equipe de comunicação do centro.

Contato com gestores estreitado

Saber que deputado vota parecido com o que você pensa, quantos parlamentares ultrapassaram o teto salarial do serviço público ou descobrir qual legislador gastou mais dinheiro da cota da atividade parlamentar. O Laboratório Analytics, da Universidade Federal de Campina Grande (UFCG), se especializou na criação de sites para fiscalizar atuação política, com o apoio do Ministério Público, do Tribunal de Contas e da Controladoria Geral da União (CGU).

A ideia inicial foi usar o trabalho já desenvolvido de mineração de dados para tentar mudar o incômodo ambiente político. “A tecnologia serve como uma nova forma de participar da política ao permitir que o cidadão questione os políticos sobre medidas que eles tomaram durante o mandato”, afirma o o professor da UFCG Nazareno Andrade.

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Para o professor Camilo Aggio, do Grupo de Estudos em Democracia Digital da Universidade Federal da Bahia (UFBA), ainda que se identifique um esforço, não dá para dizer que o poder público está preparado para lidar com as demandas. “Tem setores do poder público que estão se preparando. Isso é fundamental, por exemplo, em iniciativas de orçamento participativo através de mídias digitais. É uma possibilidade que determinados bairros utilizem de reuniões especiais, mas também através de aplicativos e de sites para a definição de demandas”, explica.

No Recife, um bom exemplo é o Colab.re, um aplicativo que permite que os cidadãos sugiram ações à prefeitura ou cobrem a solução de problemas, como falta de iluminação e buracos. Através do programa, o município avisa o encaminhamento dado à demanda. Desenvolvido em Pernambuco, o aplicativo é adotado em mais de 30 cidades brasileiras. Em 2013, foi eleito o melhor app urbano do mundo pela ONG canadense New Cities Foundation e, dois anos depois, foi escolhido como um dos cinco melhores aplicativos de governo e participação pela ONU. Foi quando a cidade aderiu ao modelo.

Nos últimos 19 meses, mais de 2,2 mil publicações foram feitas pelos recifenses através da ferramenta. Segundo a prefeitura, as informações geram um banco de dados que é transformado em informações para solução das questões apontadas pelos usuários, como alagamentos, queda de árvores, buracos nas vias, calçadas que precisam de reparos, semáforos desligados, entre outros.

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