Na maior crise fiscal que o País enfrenta, o plenário da Câmara dos Deputados aprovou nessa quarta-feira (5), por 300 votos a 46, o Projeto de Lei Complementar 270/16, que flexibiliza a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), que impõe limites com o gasto de pessoal em relação à receita aos Estados e municípios. O projeto retira as punições aos municípios, quando a queda da receita for maior que 10% – comparada ao mesmo quadrimestre do ano anterior – e ocorrer devido à diminuição das transferências recebidas do Fundo de Participação dos Municípios (FPM) por causa de concessão de isenções tributárias feitas pela União (quando ocorre, por exemplo, a redução de impostos para o setor automotivo) e também quando houver a diminuição das receitas recebidas de royalties, como os que incidem sobre a exploração de petróleo. O texto segue para sanção ou veto do presidente Michel Temer (MDB).
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Inicialmente, o projeto previa a flexibilização da LRF somente quando ocorresse queda das receitas recebidas por royalties. No entanto, o projeto foi expandido após pressão dos prefeitos porque grande parte dos municípios estão passando por uma crise fiscal, com suas despesas maiores do que as receitas. Em todo o País, muitos municípios estão ultrapassando os percentuais estabelecidos na LRF e, por isso, poderiam receber punições, que vão desde não conseguir o aval para uma operação de crédito até a suspensão de transferência de recursos da União.
Pernambuco tem 184 municípios mais o Distrito de Fernando de Noronha. Desse total, 139 cidades descumpriram, em 2017, o limite da LRF, que estipula um gasto de 54% da Receita Corrente Líquida (RCL) com a folha de pagamento dos servidores do Executivo. Ainda no Estado, muitas cidades pequenas dependem dos repasses do FPM para sobreviver, como é o caso de Escada, Ribeirão e Gameleira, todos na Mata Sul. Mas essas cidades não são exceção. Mais de 95% dos municípios brasileiros vivem das transferências dos recursos da União e dos Estados.
O FPM é alimentado por tributos recolhidos pela União, como o Imposto de Renda e o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI). Com a crise econômica, houve menos arrecadação e, por consequência, caíram os repasses do FPM aos municípios e Estados. “Essa aprovação é um retrocesso na política de austeridade fiscal. É como dar uma carta branca aos municípios para elevarem os gastos, quando o País já passa por uma grave crise fiscal. Se a LRF não for alterada, obriga os municípios a limitarem as despesas com pessoal”, resume o economista-chefe da agência de risco Austin Rating, Alex Agostini.
A Associação da Auditoria de Controle Externo do Tribunal de Contas da União (TCU) lançou uma nota, dizendo que o projeto é permeado de “elevado risco moral, uma vez que a permissão de gastos excessivos em relação ao limite fiscal não resolve os efeitos danosos do colapso no plano financeiro”. A nota também diz que esse risco se torna mais grave quando o efeito previsível é de pressões políticas por socorro financeiro da União, “transferindo o ônus do pagamento do descontrole local para toda Nação”. O TCU é um dos órgãos responsáveis por acompanhar os gastos públicos realizados com dinheiro do governo federal.
“Os municípios médios e pequenos vão continuar na mesma situação. O que nos preocupa é o aumento de gastos com obrigações que os municípios têm que assumir sem estabelecer como virão os recursos. Em janeiro, vão aumentar os pisos salariais de várias categorias, como o do agente de saúde, e o salário mínimo. E as prefeituras estão com as receitas praticamente estagnadas”, resume o presidente da Associação Municipalista de Pernambuco (Amupe), José Patriota (PSB), prefeito de Afogados de Ingazeira.
VOTAÇÃO
Voltando à sessão da Câmara que aprovou o projeto, dos 25 deputados federais eleitos por Pernambuco, 11 votaram a favor e apenas um contra. Os outros 13 parlamentares estavam ausentes. “O Brasil vive uma situação fiscal grave por causa da irresponsabilidade fiscal do governo federal, Estados e municípios, que não cuidaram das contas públicas. A LRF tem o objetivo de diminuir esses problemas. Não se pode estimular que os entes não tenham cuidado com as contas públicas”, explica o deputado federal Betinho Gomes (PSDB), o único do Estado a votar contra a aprovação do projeto. A LRF foi instituída no governo do presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB).
Integrante da bancada do PSB, o deputado federal Tadeu Alencar votou a favor. “Entendemos que a LRF é um avanço, mas o projeto é um aperfeiçoamento dessa lei. O gestor não vai poder, por conta própria, desorganizar as contas públicas. No entanto, não é razoável que os municípios e Estados – que já são sacrificados por um modelo federativo que reparte de um modo injusto as receitas públicas – tenham a sua situação tributária agravada por uma política tributária de outro ente que é a União”, afirmou.