PRIVATIZAÇÃO

Baixar a conta de luz depende da redução de impostos e subsídios, diz especialista

Governo federal chegou a dizer que a conta pode ficar mais baixa com a privatização da Eletrobras

Ângela Fernanda Belfort
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Ângela Fernanda Belfort
Publicado em 17/11/2019 às 7:01
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O relatório preliminar não prevê qual o impacto que a privatização vai trazer na conta de luz dos brasileiros e também dividiu os recursos que eram do Rio São Francisco - FOTO: Foto: Agência Brasil
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Privatizar a Eletrobras – uma das maiores empresas do setor elétrico que pertence ao governo federal – pode não significar uma redução na conta de energia, segundo o diretor do Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE), Adriano Pires. “Os impostos e os subsídios são o que mais contribuem para a alta da tarifa. Tá na hora de começar a discutir isso. Cerca de 51% da conta são impostos e subsídios”, explica ele, que é entusiasta de privatizações. Na tarifa, estão embutidos tributos federais, estaduais, taxas, como por exemplo, a de iluminação pública, e encargos setoriais que arrecadam recursos para bancar outras iniciativas do setor elétrico, incluindo os sistemas isolados em áreas remotas da Amazônia, entre outros. Em Pernambuco, somente o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) tem uma alíquota de 25% na conta de luz, mas pode representar 33,33% do total a ser pago (na conta) por causa da forma de cálculo.

Na conta dos pernambucanos, por exemplo, 35,8% correspondem a ICMS, PIS, Cofins, taxa de fiscalização da Aneel e pelo menos mais cinco encargos setoriais; 22,3% é a fatia que fica com a Celpe (para prestar o serviço, incluindo a remuneração da distribuidora) e, por último, 41,8% correspondem a compra de energia e transmissão. Nesses últimos dois itens, também são cobrados impostos e encargos, mas não é informado, claramente ao consumidor, porque esses tributos são pagos pelas empresas que recebem pela transmissão em alta tensão ou pela geração de energia.

Nas argumentações para privatizar a Eletrobras, o governo federal voltou a falar que “a desestatização” contribuirá para a modicidade tarifária, que significa reduzir a conta de luz do consumidor. A última vez que o governo federal fez uma tentativa de baixar a conta de energia, resultou justamente no contrário. Somente lembrando, ocorreu o lançamento da Medida Provisória 579 que depois se transformou na Lei Federal 12.783 assinada pela presidente Dilma Rousseff (PT) com o objetivo de diminuir a conta dos brasileiros em 20%, o que nunca ocorreu. Essa iniciativa gerou uma despesa adicional de R$ 160,8 bilhões, dos quais R$ 125,9 bilhões foram cobrados na conta de energia entre 2013 e 2018.

Dentro desses R$ 125,9 bilhões estão R$ 44,5 bilhões para bancar o risco hidrológico – quando aumenta o preço por causa da energia das térmicas –, R$ 13,6 bilhões para pagar um encargo setorial da transmissão chamado RBSE e R$ 45,4 bilhões para quitar os empréstimos que financiaram a compra da energia mais cara pelas distribuidoras, as que entregam a energia nas residências. Mais R$ 34,9 bilhões foram bancados pelo Tesouro Nacional. E o tesouro é mantido com os impostos de todos os brasileiros. De acordo com informações da Aneel, os empréstimos da compra da energia mais cara foram quitados, mas o consumidor ainda vai pagar por outras despesas geradas pela Lei 12.783, como o pagamento de bonificações de outorga das usinas cotistas – as que vendem energia mais barata –, o risco hidrológico e as indenizações feitas às empresas de transmissão.

“O consumidor paga por isso até hoje. Essa medida foi uma mostra da ingerência política, do populismo tarifário. São políticas fantasiosas que vão parar no bolso do consumidor. E isso tem se repetido na área de energia elétrica e gasolina”, argumenta Pires, se referindo a Lei 12.783. Na época, a Eletrobras - e suas subsidiárias – aceitaram baixar o preço da venda da energia em troca da renovação da concessão das suas hidrelétricas, como ocorreu com as usinas da Companhia Hidrelétrica do São Francisco (Chesf) com exceção da de Sobradinho. A Chesf pertence à Eletrobras. As empresas que aderiram a lei passaram a vender a energia por um preço 2,5 vezes inferior ao do mercado.

MP 579

Mas por que essa lei gerou tanta despesa adicional ao consumidor? “As distribuidoras ficaram descontratadas (sem a compra da energia garantida por contrato), tiveram que comprar energia mais cara. Na época, a MP teve o apoio de muitas associações empresariais”, lembra o professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Edmar de Almeida. Para completar este cenário, em 2012, houve uma estiagem que atingiu os reservatórios das principais hidrelétricas do País, acionando as térmicas que produzem energia mais cara.

“A Eletrobras perdeu a capacidade de investimento. Essa lei causou um dano estrutural à empresa e uma incerteza regulatória no setor. Depois disso, a privatização virou a única alternativa para a Eletrobras não perder relevância ao longo do tempo”, argumenta Edmar. Segundo informações divulgadas pelo Ministério de Minas e Energia (MME), a Lei 12.783 contribuiu para aumentar em 130% o endividamento da Eletrobras e reduzir em 45% o seu patrimônio líquido. “A privatização vai pulverizar as ações, mas a empresa vai continuar sendo brasileira. No mercado acionário, é cada vez mais comum empresas sem um controlador definido, mas com uma gestão e governança fortes”, afirma Edmar.

Embora não tenha disponibilizado porta-voz para dar entrevista ao JC, a assessoria do MME informou que o projeto de desestatização da Eletrobras (PL 5877/2019) pode contribuir para baixar a conta de energia ao consumidor pelos seguintes motivos: o Estado deixa de regular uma atividade que é concorrencial com os preços da energia elétrica voltando a serem definidos pelo mercado. “Com mais concorrência, os preços tendem a cair”, afirmou o MME nos documentos apresentados junto com o Projeto de Lei (PL) da desestatização.

Ainda com relação ao PL de privatização da Eletrobras, está previsto que o gerador assume todos os riscos da prestação do serviço, incluindo o hidrológico. Nos últimos anos, o consumidor tem pago, em média, R$ 50 por megawatt-hora (MWh) pelo risco hidrológico (de ter que acionar as térmicas quando há pouca água). Quando esse risco aumenta, o cidadão chega a pagar R$ 150 por MWh em alguns meses, de acordo com informações do MME. Na argumentação do Ministério, o valor das bandeiras tarifárias poderá ser menor sem o risco hidrológico.

Pelo PL, um terço do valor da desestatização será destinado à redução da Conta de Desenvolvimento Energético (CDE) cobrado na conta de todos os consumidores, o que pode contribuir para baixar a conta, segundo o MME. O PL também prevê o pagamento de uma outorga estimada em R$ 16 bilhões pelas empresas que vão comprar as ações da Eletrobras. No total, a estimativa é de que sejam arrecadados cerca de R$ 24 bilhões.

É a terceira vez que tentam privatizar as estatais do setor elétrico. No governo do presidente Michel Temer (MDB), também houve um projeto de privatizar a holding. No entanto, o PL que tramitou na Câmara acabou arquivado devido às manobras da oposição e à fraca defesa que os parlamentares da base de apoio ao governo fizeram da iniciativa.

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