FUNDO ELEITORAL

Com mais fundo eleitoral, partidos gastarão R$ 12 bi de recursos públicos até 2022

Esta semana, o Congresso deve votar o aumento do fundo eleitoral. Especialista estima que os partidos gastarão R$ 12 bilhões entre 2020 e 2022

Ângela Fernanda Belfort
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Ângela Fernanda Belfort
Publicado em 15/12/2019 às 7:01
Foto: Alexandre Ribeiro/Acervo de Bruno Carazza
Esta semana, o Congresso deve votar o aumento do fundo eleitoral. Especialista estima que os partidos gastarão R$ 12 bilhões entre 2020 e 2022 - FOTO: Foto: Alexandre Ribeiro/Acervo de Bruno Carazza
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O aumento do fundo eleitoral será votado, de forma definitiva, esta semana pela Câmara dos Deputados, que aprovou, preliminarmente, o valor de R$ 3,8 bilhões, quando anteriormente era R$ 1,7 bilhão. Especialista em politicas públicas, Bruno Carazza contabiliza que serão gastos cerca de R$ 12 bilhões de recursos públicos pelos partidos entre 2020 e 2022. Autor do livro "Dinheiro, Eleições e Poder", na entrevista abaixo, ele conta porque é contrário a essa decisão e diz que os partidos deveriam ter estratégias para chegar mais perto da população, atraindo doações. O texto é de Angela Fernanda Belfort.

JORNAL DO COMMERCIO – Como o senhor chegou ao valor de R$ 12 bilhões que serão gastos no ciclo eleitoral de 2020 a 2022?

BRUNO CARAZZA – É simples, o valor do fundo partidário é de R$ 1 bilhão por ano. Então, são R$ 4 bilhões de 2019 a 2022 mais R$ 3,8 bilhões do fundo eleitoral, em 2020 e 2022, somando R$ 11,6 bilhões. Como o fundo partidário também recebe o valor de multas, aplicadas pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) a candidatos e partidos, o valor final é próximo de R$ 12 bilhões.

JC – Por que o senhor diz que 2020 é o patamar para se gastar mais em 2022?
CARAZZA – Porque é assim que nossos políticos atuam. O fundo partidário vem sendo aumentado desde o final da década de 2000, e o fundo eleitoral, que ficou em R$ 1,7 bi em 2018, estão querendo passar para R$ 3,8 bilhões em 2020. Não me surpreenderia se tentassem um valor ainda maior para 2022.

JC – O senhor diz que não há evidências empíricas da necessidade de mais recursos na próxima campanha que vai eleger prefeitos e vereadores. Por que?
CARAZZA – Apesar de serem realizadas em mais de 5 mil municípios, as eleições municipais são muito mais baratas individualmente, porque, em geral, são realizadas em territórios menores, onde os custos de deslocamento, propaganda, etc, são bem menores. Na próxima campanha, são mais de 5 mil eleições individuais. Mas, tendo em vista o gasto médio de cada candidato, são muito mais baratas do que campanhas para deputado estadual, federal, senador, governador e presidente.

AUMENTO

JC – O que justifica esse aumento do fundo eleitoral de R$ 1,7 bilhão para R$ 3,8 bilhões?
CARAZZA – Nada justifica. É apenas uma estratégia dos políticos e partidos já estabelecidos para aumentar o volume de dinheiro público a ser recebido nas próximas eleições. Como a legislação não estabelece regras quanto à distribuição desses recursos entre os candidatos de cada partido, seus líderes têm muita discricionariedade para destinar a maior parcela a si próprios, seus parentes e aliados mais próximos. O Congresso criou esse fundo eleitoral em 2017 como uma forma de compensar as perdas de recursos depois que o Supremo Tribunal Federal (STF) declarou que as doações de empresas eram inconstitucionais. Estabeleceram esse valor de R$ 1,7 bilhão. Agora, estão alegando que as eleições são organizadas em mais de 5 mil municípios, que têm mais candidatos etc. Tem dois pontos que eu acho importante. O primeiro é que não há nada que justifique mais dinheiro público nessa campanha eleitoral, mesmo sendo realizado em mais de cinco mil municípios. Os gastos individuais com os candidatos a prefeito e vereadores são menores do que os candidatos a deputado federal, governador ou presidente. Essa eleição é realizada no âmbito local. Não precisa gastar muito com transporte, com propaganda, com cabo eleitoral. São mais candidatos, mas o gasto individual é menor.

JC – Além do alto custo, porque o senhor critica o aumento do repasse de recursos públicos para as campanhas eleitorais?
CARAZZA – Não é uma política pública razoável tornar todos os partidos políticos dependentes do dinheiro público para fazer as suas próprias campanhas. Deveria se pensar num sistema em que os candidatos dos partidos fossem atrás do eleitor para que o eleitor bancasse essa campanha. À medida que a gente vai colocando cada vez mais e mais dinheiro nas campanhas, cria um sentido contrário a um pressuposto da democracia, que é aproximar o partido e o político das pessoas.

JC – Por que o senhor defende que quanto mais recursos públicos maior será a corrupção?
CARAZZA – Porque os instrumentos de controle são muito frágeis. Os partidos têm muita liberalidade para gastar esses recursos e a Justiça Eleitoral não tem estrutura para analisar com profundidade cada gasto dos centenas de milhares de candidatos nos prazos curtos estabelecidos pela legislação eleitoral. Assim, as prestações de contas, na maior parte das vezes são meramente formais, e com mais dinheiro público sendo distribuído, maior o risco de aparecimento de casos de corrupção.

JC – Qual seria a maneira ideal de bancar essas campanhas ?
BRUNO – Precisaria ter, por exemplo, limites individuais baixos para as doações de pessoas físicas. Nas últimas eleições, grandes empresários doaram R$ 6 milhões, R$ 5 milhões... e isso não é benéfico para o sistema. Então, o Brasil é o único País do mundo que permite que você doe até uma parcela da sua renda para uma campanha eleitoral. O sistema eleitoral brasileiro permite que uma pessoa mais rica doe muito mais do que uma pessoa que não é rica. E isso gera uma influencia econômica. E na política há várias evidências que mostram isso. Uma das formas de coibir essa influência seria reduzir o quanto cada pessoa pode doar. Se além disso, também reduzir o volume de recursos públicos nas campanhas, os partidos e os candidatos terão que correr atrás de um número maior de eleitores pra doarem para as suas campanhas. Então, isso faria com que os partidos tivessem que desenvolver estratégias para cativar o eleitor a ponto do eleitor não só votar nele, mas também apoiar a campanha, fazendo doações. Esse seria o caminho melhor que se deveria perseguir. E não colocar mais recursos públicos, porque esses recursos públicos que estão indo para a campanha deixam de ser empregados em outras áreas, como saúde, educação, segurança pública.

JC – O Sr diz que há uma lógica no Brasil que cada eleição tem que ficar mais cara. Por que isso ocorre, se estamos numa época de baixa inflação ?
BRUNO – As eleições do Brasil são caras porque são disputadas num sistema que demanda muito dinheiro. A gente não tem voto distrital aqui. Então, as eleições são disputadas em territórios muito grandes e isso faz com que a eleição fique mais cara. Além disso, tem um número muito grande de candidatos. A expectativa é de que nas próximas eleições se tenha em torno de 500 mil candidatos, disputando um lugar nas prefeituras e nas câmaras municipais. Também temos um número muito grande de partidos. E no nosso sistema faz com que um candidato dispute não só com os rivais dos outros partidos, mas com os seus colegas do próprio partido. As eleições no Brasil são um jogo que simulam campanhas personalísticas, estimulam o uso de dinheiro. É por isso que os políticos querem colocar cada vez mais dinheiro. Ainda mais num cenário em que a classe política está em descrédito e vendo que não vai ter muita gente disposta a doar eles arranjaram um jeito mais fácil de obter os recursos que são extraindo do Orçamento Geral da União (OGU). Grandes líderes do partido controlam a distribuição desses recursos e escolhem onde vão colocar. Geralmente, eles colocam para si mesmo, para parentes ou aliados mais próximos. Ainda tem um problema que é favorecer a concentração de poder na política brasileira e dificultando o aparecimento de novas lideranças. É importante monitorar a distribuição do dinheiro no partido.

JC – E, na opinião do Sr., as empresas devem voltar a financiar as campanhas no Brasil ?
BRUNO – No modelo brasileiro, valeria a pena permitir as doações das empresas por causa, basicamente, da transparência. O que aconteceu em 2015 foi que o Supremo Tribunal Federal (STF) proibiu as doações de empresas, mas não fez nada para coibir. Primeiro, que os sócios dessas empresas doassem valores muitos altos. Segundo, não propôs nada para proibir caixa 2 no Brasil. Então, o resultado final dessa decisão do Supremo foi fazer com que as empresas continuem influenciando a política via doações ou caixa 2. O que se perdeu foi a transparência. Agora, a gente não sabe mais quem está doando pra quem. O modelo melhor seria permitir a doação das empresas num valor baixo e não como doavam antes na casa de centenas de milhões. Dinheiro é igual a água. Sempre vai se achar um jeito do dinheiro chegar ao político. O ideal seria tornar esse caminho mais difícil e mais transparente possível pra ter como fiscalizar.

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