Beleza

Discussão sobre pelos vai além da estética

Desde o Egito Antigo, as mulheres buscam um corpo lisinho. Mas não falta quem se rebele contra a ditadura da depilação e assuma a aparência natural

Bruna Cabral
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Bruna Cabral
Publicado em 10/02/2014 às 11:51
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Livrar-se dos pelos ou cultivá-los com gosto é uma questão que mobiliza mulheres do mundo inteiro há décadas. Aliás, séculos. Há relatos de que no Egito Antigo já havia quem se depilasse, usando uma mistura pegajosa de argila, sândalo e mel. Em terras tupiniquins, os primeiros registros depilados ficaram a cargo de Pero Vaz de Caminha. Ele descreveu em minúcias, e com manifesta surpresa, o corpo sem pelos – e sem roupa – das índias, que, ao contrário do que muita gente pensa, tinha mais a ver com sessões semanais de depilação manufaturada com espinha de peixe-lixa, que com genética.

Mais recentemente, a ousada moda praia brasileira decretou que quanto menos pano, menos pelo. E depilar acabou virando mania nacional. Prática tão recorrente, que fez de nós especialistas mundiais no assunto. E exportadores de uma estética pelada, que, para muitas brasileiras, depõe mais contra que a favor de nossa liberdade sexual.

"Somos caretas que se fingem ousados. Glorificamos um ideal de mulher contraditório e inviável. Esguia, mas com bunda e seios grandes. No auge do vigor sexual, mas lisa, sem pelos, feito uma criança. Sexy, mas nunca vulgar. Queremos uma mulher que seja sensual para outrem, mas que não desfrute da própria sensualidade. Em suma, que seja uma porção de coisas, menos ela mesma", argumenta a escritora, tradutora e revisora de textos Camila Fernandes, 32 anos. Peluda convicta há meses, ela diz que aposentou a lâmina, depois de perceber que nem conhecia o que Juliana Notari batizou de "potencial peludo" de seu corpo. "Queria ver como eu era de verdade", explica.

Camila admite que estranhou o que viu no espelho depois de algumas semanas. "Meus olhos e cérebro estavam treinados para achar que mulher peluda é esquisita. Hoje, não acho que é bonito, nem feio. Apenas é. Não peço que ninguém goste, espero apenas que me deixem em paz", diz Camila, que, também para questionar padrões, modelos e rótulos, decidiu que os únicos cabelos que não são mais bem-vindos no seu corpo são os da cabeça.

Para a agitadora cultura Irma Brown, 34, cabelo não pode ser tratado como tabu. "Não é um posicionamento político. É algo que cresce naturalmente no corpo da gente", argumenta Irma, que só depila quando o calor aperta. Ou quando dá na telha. "É uma decisão minha. Ninguém tem nada a ver com isso."

Pivô dessa polêmica toda, pelo menos entre os brasileiros, a ex-BBB Bella Maia, também acha que essa questão deveria ser tratada mais como prática que como ideológica. "Tenho alergia a lâmina. Na minha ‘vida real’ faço depilação com cera regularmente. Mas no BBB não existia essa possibilidade. Depois que saí da casa, vi que aquilo se tornou uma polêmica. Aí, sim, decidi manter os pelos", conta. Para Bella, padrões estão aí não para serem seguidos cegamente, mas questionados. "A discussão, para mim, não é de ordem estética. Eu não acho bonito uma coisa ou outra. Eu acho bonito as pessoas serem sujeitos ativos de suas vidas. Depilarem ou não, porque querem, e não porque isso é imposto a elas."

Do ponto de vista da saúde genital feminina, a ginecologista e obstetra Sebastiana Arruda afirma que os pelos têm o papel de proteger a vulnerável região pubiana. "Mas a depilação parcial não traz qualquer prejuízo ao corpo da mulher." Já a libido feminina, avisa, não tem nada a ver com pelo. "Ela está única e exclusivamente relacionada ao bem-estar de cada uma."

Há 13 anos desmatando superfícies alheias, a depiladora e proprietária de uma sala de estética em Jardim Brasil 2, Jacira Rodrigues não consegue desvincular depilação e higiene. "Pelo traz mau cheiro", acusa Jacira, que diz nunca ter trabalhado tanto na vida. "Hoje em dia, atendo de adolescente a senhoras de idade. Até os homens estão se depilando como nunca." Mas se tem uma coisa que ela aprendeu, em tantos anos de puxavão, foi a respeitar a estética alheia. "Já teve marido que só faltou ir na minha sala buscar os pelos da mulher de volta. Cada um é feliz de um jeito, né?"

A única regra que deve ser seguida nesse fogo cruzado, na opinião da psiquiatra e professora da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP), Carmita Abdo, é a liberdade. "Há quem prefira fazer depilação, porque acha que fica mais higiênico e mais sensual. Outras acham o pelo bonito." A diversidade é que se faz imperiosa por debaixo do vestido de cada uma.

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