Serviços

Confiança na cozinha

Cresce o número de serviços em que o chef decide o que o comensal vai comer. Analisamos alguns:

Bruno Albertim
Cadastrado por
Bruno Albertim
Publicado em 28/09/2012 às 9:08
Foto: Marcos Pastich/JC Imagem
Cresce o número de serviços em que o chef decide o que o comensal vai comer. Analisamos alguns: - FOTO: Foto: Marcos Pastich/JC Imagem
Leitura:

Com Carol Medeiros, a sociologia perdeu uma militante para a gastronomia. Formada pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), ela pôs de lado as ciências sociais para deixar aflorar a vocação apreendida ainda na infância. Quando criança, gastava horas observando a mãe e a avó em casa, zelosas da tradição portuguesa familiar na execução de cozidos, bacalhaus, caldos...

Foi quando a moradora da Sé decidiu transformar sentimento em profissão. Mudou-se para São Paulo, onde a possibilidade de trabalhar com gastronomia parecia mais promissora. Estudou na faculdade Senac e teve pontos fundamentais na sua formação profissional: Hotel Lycra, restaurante Ritz, o badalado Spot e o DOM, onde atuou sob a chefia de Alex Atala.

Depois, casada, foi viver em Paris, onde novos trabalhos moldaram sua gastronomia a uma expressão predominantemente francófila. Trabalhou no classudo e centenário La Tour d’Argent e no bistrô Stephane Martin. A cultura francesa de mesa se entranhou pelas mãos da cozinheira pernambucana.

Desde sempre conhecida como Carol de Olinda (o brasão da cidade tatuado no corpo é prova de sua ligação umbilical), voltou para a terra natal. Enquanto estuda a possibilidade de abrir ali um restaurante, tem dado aulas, feito consultorias para estabelecimentos alheios e, prazer maior, feito jantares personalizados.

A conciliação da bossa olindense com o apuro francês na hora de cozinhar fazem de uma noite sob sua batuta algo especial. Clássicos franceses são sua praia adotiva. Poucos steaks tartares ou crème brûlées são capazes de fundir imediatamente a atmosfera local com a de um verdadeiro bistrô parisiense.

Rivandro França é a prova (se é que ela ainda se faz necessária) de que a cozinha que nos acostumamos a identificar como regional não precisa ficar circunscrita aos caldeirões, paneladas e outras apresentações generosamente celebrativas.

Com ele, fórmulas regionais depuradas encontram o rito gustativo das cozinhas de expressão mais técnicas. O seu Cozinhando Escondidinho é endereço certo quando chefs locais querem apresentar a culinária nordestina levemente contemporanizada a colegas de outras cidades em visita à capital.

Duas noites por semana, ele transforma o primeiro andar do casarão de Casa Amarela no palco de seu confiance. Em seis etapas, desfila as receitas de seu repertório em pequenas e bem-cuidadas porções. Os pratos variam conforme a sazonalidade dos ingredientes e a inspiração do chef.

Os escondidinhos que fazem trocadilho com o nome da casa são alguns dos artigos. O de carne de panela traz um ragu regional bem molhadinho sob purê de macaxeira. O de carne de sol, desfiada sob purê de banana é imediatamente fidelizante.

De entrada, pode-se começar pelo sedoso caldo de mocofava. Um exemplo de como Rivandro elimina dos pratos tradicionais suas gorduras excessivas, imprimindo mais leveza e digestibilidade sem prejuízo de sabor. A moquequinha, de molho muito equilibrado de coco, vem numa pequena quenga de cabaça, sob farofinha crocante: boa ilustração da estetização de pratos tradicionais empreendida pelo profissional. Ou ainda um crocante de macaxeira com queijo manteiga em duas texturas.

Mesmo nos dias normais, pode-se incorrer por vários preparos. Mas com a degustação sob a batuta do chef tem-se o adicional de ser uma experiência conduzida num crescente harmônico.

Fushimi e a Ásia contemporânea

Quando não está às voltas em sua cozinha, o chef Biba Fernandes visita casas dos colegas. Uma delas oferece uma cozinha tão sensorializada quanto a que ele pratica no seu Chiwake: o charmoso Edo, de Márcio Fushimi, na Galeria Joana d’Arc, no Pina. “A técnica dele é excelente”, elogia Biba.

Desde que chegou aqui para comandar a cozinha do antigo e já fechado Soho, este paulista de Ubatuba vem radicalizando seu caminho no sentido de levar a(s) cozinhas(s) do Oriente à contemporaneidade. É isso que Fushimi faz com maestria: colocar em diálogo informações gastronômicas do Japão, da Tailândia, do mais próximo Peru e de outras latitudes, para uma expressão híbrida, cosmopolita, urbana e de grande apelo aos sentidos. Sensorialismo e minimalismo são duas de suas virtudes. O rigor estético das apresentações seduz.

Devoto da sazonalidade, ele aposta em menus confiances diários no seu restaurante. Definidos diariamente, de acordo com a excelência do que encontra entre seus fornecedores. Há duas opções: o de seis etapas (serve duas pessoas e custa R$ 48,50) e o de cinco etapas (serve quatro pessoas e custa R$ 78,20).

Quando provamos, o menu estava verdadeiramente epifânico. Desde um miniceviche, com leche de tigre estimulante até um sushi de salmão que, por causa do tamanho da lâmina de pescado, maior que o arroz, pôde ser servido em duas texturas, maçaricado levemente ao meio e cru nas extremidades. Ou ainda um sashimi de salmão suavemente maçaricado com molho de ostra e alcaparra. Opulenta e bem luxuosa é a vieira com foie gras e flor de sal, um dos fetiches do chef.

A TÉCNICA DE CLAUDEMIR

Há um tempo, o Recife merece redobrar sua atenção sobre Claudemir Barros. Low profile, caladinho, o chef do Wiella Bistrô tem executado um dos mais sólidos saltos técnicos da cidade. Sobretudo depois de uma viagem recente pela França e pelo norte da Espanha, conheceu e assimilou técnicas de vanguarda a serviço de sua cozinha clássica.

Sim, a expressão da cozinha do Wiella ainda se ancora nos clássicos ítalo-franceses. Mas as licenças poéticas brasilianistas não se resumem ao molho de jabuticaba na codorna assada.

No melhor momento técnico de sua carreira, ele lança mão de insumos brasileiros ao lado de ícones gastronômicos numa cozinha mais francamente vanguardista. Ainda que emprestados da escola iconizada por Ferràn Adriá, as espumas e emulsões na gramática de Claudemir são feitas sem apelo a ingredientes outrora mais farmacêuticos que culinários. São feitas no sifão doméstico.

Não sabemos, naturalmente, o que será servido em cada uma das cinco etapas. De entrada, podemos ter um “ravióli” (na verdade duas lâminas ao dente) de palmito com shiitake e emulsão também de shiitake. Delicado, preciso, terroso.

Depois, bacalhau em duas texturas: um medalhão em crosta de ervas e espuma de bacalhau e salada. Ou, macio pela cocção em forno combinado, lombo de porco ao jenipapo com arroz negro, especiarias sutis, purê de amêndoas. Desconcertante o ravióli de pato e foie gras ao molho adocicado de Porto e uma musseline de inhame. Com a técnica nas mãos, a imaginação de Claudemir extrapola limites. Como num crème brûlée de banana com foie gras.

Minimalismo de Thiago

A trajetória de Thiago Rangel não é incomum. Como outros jovens expoentes da classe média brasileira, trocou uma carreira tradicional (no seu caso, direito), pela formação em gastronomia numa escola de referência nacional (o Senac de Águas de São Pedro).

Trabalhou um tempo no Canadá e, de volta ao Recife, chamou atenção por três características: o domínio de uma cartela cosmopolita de informações gastronômicas, o apuro técnico e a delicadeza segura na execução de seus pratos.

Como sabe dos humores do mercado, prefere não botar placa com seu nome diante de uma porta. Vai dando aulas e atua como personal chef. Seus clientes podem dizer, mais ou menos, que linha uma noite deve tomar. Ele, então, faz uma espécie de anaminese gastronômica de quem o contrata e monta, assim, o ritmo evolutivo de uma mesa.

A precisão de sua técnica permite a Thiago preparos minimalistas – no tamanho e nos sabores justapostos. Uma cena sob seu comando é promessa, portanto, de notas diversas de aromas a paladar, opostos harmonizados.
Observemos um cardápio montado para 12 comensais: queijo brie e prima donna com geleia de pimenta e damasco; carpaccio defumado com brioche frito e mostarda com trufas; espumone de limão siciliano e presunto de Parma; trouxinha de cordeiro com Saint Paulin e mostarda de açafrão; steak tartare com purê de couve-flor trufada e chips de batata; terrine de salmão defumado; rillete de faisão e spaetzle de roquefort. Isso apenas como belisquetes.

 De entradas, convidados já à mesa, uma salada de magret de pato com coulis de frutas vermelhas ou risoto de Parma com prima donna, rúcula e siciliano. O principal: pescada-amarela em crosta de coentro e alho confit. Mais espumone de queijo com creme de goiaba quente na sobremesa. A epifania custou R$ 140 por comensal. 

A escola de Eduardo Gazal o situa entre os cozinheiros orgânicos. Não aprendeu o que sabe nas bancas, mas em casa. Paulista, descendente de sírio-libaneses, era no grande quintal do casarão familiar na famosa Rua Augusta que via os avós, pais e tios se debruçarem sobre receitas históricas para receber os muitos parentes vindos do outro lado do mundo em permanente entra e sai.

“Os homens também cozinhavam”, diz Gazal, íntimo de ingredientes desde os 14 anos de idade. No repertório, clássicos como tabule, babaganouche, quibe frito, de bandeja e cru, esfirra de verduras, de carne. “As esfirras eram sempre fechadas, nunca abertas. O árabe tradicional não fazia esfirras abertas”, diz ele, que herdou um pulo do gato difícil de apreender em livros: a quantidade de temperos.

“Nos quibes, minha mãe e minha avó moíam a carne com o trigo, a cebola e a hortelã pouco a pouco, para a incorporação dos temperos”, diz ele, e continua: “Toda semana, botavam os temperos no sol”.
Como a comida árabe exige processos prévios, Eduardo apenas finaliza os preparos diante da clientela. O quibe, por exemplo, fica de molho de um dia para o outro. Mas, se disponível, Gazal pode ficar até um final de semana numa casa de campo ou praia.

Em cozinha tão tradicional, expertise é fundamental: as berinjelas do babaganouche são assadas uma a uma, e abertas. “ Retiro os excessos de sementes, para evitar amargor”.

Últimas notícias