Cena

Confit de pato underground

Artista plástica Beth da Mata comanda a cozinha do Iraq toda quinta, fazendo o udigrúdi local salivar

Fabiana Moraes
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Fabiana Moraes
Publicado em 17/11/2012 às 12:00
Priscilla Buhr/JC Imagem
Artista plástica Beth da Mata comanda a cozinha do Iraq toda quinta, fazendo o udigrúdi local salivar - FOTO: Priscilla Buhr/JC Imagem
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Diálogos recifenses: "Vamo tomar uma cerveja?" "Bora." "Onde?" "Ali no Iraq?" "Ah, eu gosto do Iraq, mas lá não tem comida e eu tô com fome." Pois é: há aqueles dias em que não só a classe média sofre, mas o filho do udigrúdi, simples como ele só, também pena à procura de serviços que atendam tanto à alma quanto ao estômago. Beth da Mata, conhecida na cidade por sua atuação nas artes plásticas e sua gestão à frente do Museu de Arte Moderna de Recife (Mamam), frequentava vez em quando o bar localizado na Rua do Sossego, Boa Vista, e várias vezes sentia a mesma fome, uma fome que jamais seria debelada com os pacotes de salgadinhos que circulavam por ali.

Maldade um lugar como aquele, uma casa comprida com quintal arborizado, uma das melhores seleções das redondezas (rock, música brasileira setentona, samba), não ter uma comida pra chamar de sua. Candidatou-se: chegou para o proprietário do Iraq, Evandro Sena, e se dispôs a assumir, toda quinta-feira, a cozinha da casa onde repousa um lindo fogão azul. Era o local certo para experimentar receitas e técnicas que aprendera tanto sozinha quanto no curso de gastronomia de uma universidade local. Daí nasceu um relacionamento sério e temperado entre a comida de Beth e os agora ex-famintos filhos do udigrúdi recifense.

Maior desafio: o que servir para aquele público tão específico, que parecia não pedir muito e estava tão acostumado a tomar cerveja se entupindo de Stiksys da Elma Chips (que tem seu valor, vale cifrar)? É claro que as categorias alimentícias para notívagos, seja de qualquer geração, gosto musical ou largura das pernas das calças, passam pela fritura, carboidrato, um molhinho qualquer. Mas Beth não se abraçou com o óbvio e decidiu levar para cima do fogão azul uma comida que em um primeiro momento poderia provocar certa estranheza (hello, estamos no Iraq!): coxinha de pato confitada com geleia de cebola, batata-doce recheada com queijo manteiga e pesto regional (com coentro e castanhas) e musseline de jerimum com charque crocante e queijo manteiga maçaricados são alguns dos pratos servidos. Surpresa: a estranheza não veio, pelo contrário.

Já na estreia, ela vendeu todos os pratos. "Quando eu propus cozinhar aqui, Evandro falou ‘mas não vai ser aquela comidinha com pão não, né?'. Preferi investir na proteína, que é legal pra acompanhar a cerveja", comenta Beth. "Em um dos cardápios, fiz arroz de polvo, achei que ia ter bastante saída por ser mais consistente, mas o que terminou primeiro foi o camarão com mexilhão. Outra vez, foram as coxinhas de pato que terminaram primeiro, não as esferas de batata-doce."

Além do cardápio simpático e não óbvio, Beth também privilegia um ponto muito benquisto, o preço. O citado camarão (na redução de umbu) acompanhado pelos mexilhões gratinados sai a R$ 8 (porção pequena, equivale a uma entrada), enquanto o prato de arroz de polvo sai a R$ 15. A musseline de jerimum custa R$ 14, mesmo preço do fettuccine fresco com manteiga de siri (delicioso). Acompanhando a ideia de um menu completo, há também espaço para sobremesas: Beth prepara o Banano (creme de banana gelado com ganache de chocolate e farofa de castanha-do-pará, R$ 5) e serve trufas de chocolate.

Quem não quer enveredar no cardápio e tem um saudável pé no old school conta com petiscos como casquinho de frutos do mar e o clássico buraco quente, que nada mais é que carne picadinha com molho servida com pão (custa R$ 8. E Evandro aprovou o pão). "Os preços são uma forma também de democratizar uma comida feita com um certo cuidado, com ingredientes selecionados." Uma característica de Beth – que termina no ano que vem outro curso, agora na prestigiada escola argentina Mausi Sebess – é levar para os pratos apenas ingredientes encontrados no máximo um dia antes de serem servidos. É por isso que ela só anuncia o cardápio às quartas ou mesmo na quinta, pelo Facebook.

A presença da comida no bar atraiu mais gente ao local – as mesas e cadeiras são disputadíssimas e é fácil, principalmente para quem chega após as 20h, ter que beber e comer mesmo no pequeno balcão do bar. Tanto sucesso (são vendidos cerca de 50 pratos por noite) levou Beth e Evandro a pensarem em um segundo dia de "cozinhanças", já a partir da primeira semana de novembro. "Muita gente tem aparecido querendo cozinhar comigo", comenta, sugerindo que a segunda noite do Cozinhando no Iraq terá participações especiais. Ela avisa que está compondo um cardápio com as comidas que fazem mais sucesso entre os clientes, que andam também contentíssimos com a possibilidade de pagar as contas com cartão de crédito. O udigrúdi contemporâneo tem suas características.

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