Ruas

Paredes do Recife são musas para a poética das ruas

As ações politicamente artísticas têm em comum o fato de pensarem uma cidade melhor

Bárbara Buril
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Bárbara Buril
Publicado em 14/04/2014 às 7:00
Ana Lira / Projeto Voto!
As ações politicamente artísticas têm em comum o fato de pensarem uma cidade melhor - FOTO: Ana Lira / Projeto Voto!
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Os encontros das pessoas com a própria cidade, em forma de protestos artísticos como o sutil Praias do Capibaribe, o irônico Empatando Tua Vista e o ácido Novo Recife Antigo, são apenas algumas das formas atuais de reagir às problemáticas urbanas do Recife. Mas também há outros modos, artisticamente políticos, politicamente artísticos, de fazer as pessoas pensarem na cidade onde vivem. Intervir nos muros é um deles. O lambe-lambe com a frase “Área sujeita a ataque de gabiru”, por exemplo, espalhado pelo Recife pelo Diretório Artístico de Liberdade Estética (Dale) no último mês de fevereiro, causou inúmeras reações nas redes sociais, no âmbito das ruas e até nos espaços institucionais. 

“Vi meus amigos compartilhando a foto e acreditando que era uma alerta da prefeitura. Teve um dono de fiteiro que mudou de lugar quando viu o cartaz. Também fomos convidados pela diretora de comunicação da Compesa para conhecermos o diretor do órgão, já que nos referíamos à limpeza”, conta a idealizadora da intervenção, a artista Camila Stocker. A ideia do Dale era fazer uma brincadeira com a falta de limpeza urbana do Recife, sem a pretensão de solucionar o problema. O propósito era apenas fazer as pessoas refletiram. Não imaginavam que a repercussão ia ser tão grande. 

A profusão de lambe-lambes pelos muros de inúmeras cidades, espalhados por pessoas comuns, não só artistas, evidenciam insatisfações generalizadas. Mas não só isso. “Vivemos um momento em que as pessoas perceberam que as ruas também pertencem a elas. Sentem que podem intervir nela”, opina o artista olindense Renoir Santos, residente em São Paulo há 20 anos. Ele é um dos idealizadores do Coletivo Paulestinos, que espalhou pelo Recife, no mês passado, uma série de lambe-lambes que questionam o que é “Hellcife”, vida, arte, política, ficção, privacidade, entre outras questões. A ideia dele e do baiano Átila Fragozo (outro integrante do coletivo) é questionar a cidade, mas também o modo de existência atual, marcada por urgências que dessituam o homem do propósito original da vida: viver.

Outra forma de intervenção captada pela sensibilidade e lentes da fotógrafa Ana Lira está presente na série Voto!, convidada para fazer parte da 31ª Bienal de São Paulo, que iniciará no dia 6 de setembro. Ela percebeu que muitas propagandas de políticos tinham, em sua superfície, alterações feitas por pessoas com intuito de exporem insatisfações políticas. “Uma vez, eu estava no metrô do Recife e fotografei um cartaz com intervenções bem fortes nos olhos. Um dos caras que estavam sentados me perguntou o que eu estava fazendo e disse que ele é quem tinha feito a ação. Me contou que estava muito desiludido com a política e que eles (os políticos) estavam virando zumbis”, narra a fotógrafa. 

Bigodinhos, rasgos, olhos de demônio e orelhas de satanás são apenas algumas das intervenções feitas por pessoas comuns. Se os cartazes alterados não são arte por si só, o que Ana Lira fez fez foi transformá-los em arte, dando coerência, unidade e encontrando a potencialidade discursiva desses lambe-lambes, presentes em cada esquina da cidade. Da não-arte para a arte, houve, no meio do caminho, a sensibilidade de uma artista das lentes.

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