RELIGIÃO

As vidas inspiradas por São Francisco de Assis

Um dos santos mais queridos da Igreja Católica, São Francisco de Assis tem inspirado sucessivas gerações com seu credo de amor incondicional ao próximo

Germana Macambira
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Germana Macambira
Publicado em 16/11/2014 às 5:08
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Era para Francisco de Assis Simões Nunes ter nascido no dia 4 de outubro, de 1952, em Tacaimbó, Agreste de Pernambuco. Não porque assim houvesse previsto algum médico ou exame de ultrassom – interferências raras naquela época, naquele lugar –, mas porque a mãe do então bebê aninhado no ventre, a católica fervorosa Josefa Simões Nunes, de comum acordo com o orgulhoso pai, Manoel Genuíno Nunes, assim desejava e intuía que a criança, a primeira do casal, viria ao mundo no dia dedicado a São Francisco de Assis, em quem a família depositava toda devoção.
Não foi bem assim, o menino chegou com seis dias de antecedência, mas o nome já estava decidido e foi mantido, afinal, fé desconhece temporalidade. A força gravitacional do batismo foi uma constante na vida desse que acabara de vir ao mundo: passou a infância entre rezas e histórias contadas e recontadas sobre quem era, afinal, o homem santo que tanto havia inspirado os pais. Na juventude já era ele quem narrava a trajetória de Giovanni di Pietro di Bernadone, o frei italiano da cidade de Assis, que foi canonizado pelo papa Gregório IX, em 16 de julho de 1228, apenas dois anos após sua morte, e umas das mais veneradas figuras religiosas em toda história.
A família Simões Nunes não foi a única a se sentir inspirada pelo santo. Seu nome e seu credo, de amor incondicional ao próximo, tem costurado vidas: “Fazei que eu procure mais consolar, que ser consolado; compreender, que ser compreendido; amar, que ser amado. Pois é dando que se recebe, é perdoando que se é perdoado”. São muitos os Franciscos de Assis espalhados pelo mundo. Há os que não carrregam seu nome na certidão de nascimento, mas abraçaram a sua causa com o mesmo empenho, como o franciscano Frei Aloísio Fragoso. Há, ainda, os que não só comungam seu ideário como se renomearam para honrá-lo, caso do jesuíta Jorge Mario Bergoglio, que o mundo conhece como o papa Francisco. Sem esquecer os que se ligam ao santo pelo amor que ele professava também pelos animais, como a advogada Vanessa Costa, que cria 15 cachorros e alguns gatos em sua casa em Aldeia, e para quem a mensagem do santo que foi declarado Patrono da Ecologia, pelo papa João Paulo II, em 1979, cala fundo. E tem ainda um outro Francisco, o Antônio Francisco da Luz, artesão de Bezerros, no Agreste, que confirma, com números, a influência do religioso: “De dez encomendas feitas no meu ateliê, oito são para imagens de São Francisco de Assis”, garante.
UM CARISMA SECULAR
O Francisco de Assis de Tacaimbó se tornou proprietário de uma gráfica, na Imbiribeira. E é lá, entre fôlderes, filipetas, cartazes e impressos diversos, que começou a crescer a coleção que, hoje, conta com mais de 150 imagens do santo que lhe deu o nome. O acervo foi inaugurado com uma peça doada pela mãe. Não tardou, porém, que os amigos, sabedores da aproximação que ele mantinha com a figura do fundador da Ordem dos Franciscanos, se animassem a contribuir com a proposta. E, até hoje, esta é uma peculiaridade: Francisco de Assis nunca comprou uma só imagem de Francisco de Assis, todas foram doadas.
Ele cita como exemplo um quadro feito e presenteado pelo artista plástico Dantas Suassuna, filho de Ariano, e que, por ter três metros, foi realocado na casa do gráfico, em Aldeia. A rotina de receber, em vez de adquirir, no entanto, parece estar chegando ao final. Já de viagem marcada para visitar, pela primeira vez, a cidade de Assis, onde, de certa forma, sua própria história começou, ele garante: “Não tem como me esquivar disso. Vou estar na cidade natal dele, é certo que vou me emocionar e a consequência natural é trazer de lá outras imagens. O difícil é encontrar alguma diferente das que eu já tenho”, admite Chico, que não faz restrição a forma ou material: “Tenho imagens de madeira, de barro, de pano, de cabaça, de papel, de cerâmica, de gesso, imagens em santuário, enfim, de tudo”.
Ao contrário do Chico colecionador, o artesão Antônio Francisco da Luz é pago para produzir representações do santo, que ele garante ser queridíssimo e muito procurado. “São encomendas de todo tipo: grande, pequena, com muitos ou poucos bichos. Sinceramente? É o meu cartão de visitas, porque tenho vários modelos já na entrada de minha casa”, admite Antonio que tem o ‘Francisco’ no nome por devoção dos pais ao santo.
Antônio Francisco tem critérios bem específicos ao retratar o padroeiro da natureza: “Não associar este santo aos passarinhos e a tantos outros animais é não acreditar nele”, ressalta. E ninguém há de lhe tirar a razão. A relação de São Francisco de Assis com pessoas, animais, plantas, com o planeta em que vivemos, enfim, é um dos aspectos mais enfáticos em toda a sua obra. Em uma das composições atribuídas a ele: Cântico das criaturas ou Cântico do irmão Sol – em italiano, Cantico delle creature Cantico di frate sole– a louvação a Deus com agradecimento a todas as Suas criações é confirmada com passagens como: “Louvado sejas, meu Senhor, pela irmã lua e as estrelas, pelo irmão vento, pela irmã água”.
E foi por esse viés que São Francisco de Assis entrou na vida da advogada Vanessa Costa. “Quando se acolhe um animal estamos dando amor mas, ao mesmo tempo, estamos recebendo deles o mesmo sentimento, em troca. Porque estamos aqui para auxiliar. E esse auxílio inclui o cuidado e o respeito por todos os seres”, resume Vanessa, que não é devota de São Francisco de Assis, mas compartilha com ele a importância de cuidar de tudo, e de todos, que nos cerca. No seu caso, o afeto está dirigido aos animais que ela resgata das ruas, em situação muitas vezes crítica, e lhes dá carinho, conforto e comida. “O que eu sei sobre São Francisco de Assis é que ele foi um espírito de luz e teve como missão engrandecer o mundo com lições de vida, abrindo os olhos de todos nós sobre o que realmente importa: o amor ao próximo.O amor pregado por ele não escolhia entre homens ou animais. Era bastante ter vida e amar”, assegura
VOCAÇÃO
Ninguém melhor para falar do carisma de São Francisco de Assis do que um franciscano. “Na adolescência comecei a ouvir sobre a vida de São Francisco. A leveza com a qual ele enxergava o mundo passou a chamar a minha atenção. Desde então fui em busca de saber um pouco mais a seu respeito e o desejo de me guiar por suas pregações de amor incondicional ao próximo foi o que me levou ao ofício gratificante de me tornar um franciscano”, conta frei Aloísio Fragoso, que saiu do Convento de São Francisco (Olinda), há três anos, para fixar residência na comunidade do Coque, no Recife. “Ele viu que podia amar a Deus amando todas as criaturas, os bichos e as plantas. São Francisco era lírico como os pássaros. Tinha atitudes lúdicas em relação à vida. Considerava o mundo uma obra-prima. Tratava todos de forma igual, assim como nos foi ensinado pelo Pai”, complementou frei Aloísio.
Francisco de Assis mostrou ao mundo uma forma diferente de pertencimento, abdicando de uma adolescência cercada de riquezas e privilégios, benesses da família burguesa em que nascera, para abraçar a pobreza. “Ao contrário do que se ouve, São Francisco de Assis não exaltou a pobreza. O que ele fez foi deixar o espaço social e elitizado em que vivia para se aproximar dos pobres e, com isso, ajudar todo aquele que vivesse em condições precárias de existência”, ressalta frei Aloísio.
A princípio, o santo católico foi visto como louco para, em seguida, ganhar adeptos de sua causa em favor dos menos favorecidos. Foi a partir daí que o movimento franciscano passou a ficar conhecido e caracterizado, inclusive, pelas vestes simples, na cor marrom, facilmente identificadas nos dias de hoje como sendo daquela Ordem.
“Era notório que nascia ali um revolucionário. Uma pessoa à frente do seu tempo que se tornaria um exemplo a ser seguido. Sonhava em me assemelhar a ele, de alguma forma. Durante todos os meus dias no Convento de São Francisco, em Olinda, fui em busca de me aproximar cada vez mais das suas atitudes. E hoje convivo de perto e diariamente com pessoas que, certamente, seriam acolhidas por São Francisco”, conta frei Aloísio.
A admiração do frei Aloísio está em boa companhia, ou melhor, na companhia da autoridade máxima da Igreja Católica. Apesar de pertencer a uma outra Ordem, a da Companhia de Jesus, ou jesuítas, o argentino Mario Jorge Bergoglio escolheu ser conhecido pelo nome do santo de Assis: “Foi por causa dos pobres que pensei em Francisco”, afirmou na ocasião em que foi eleito papa, há um ano. O pontífice abriu mão dos bens materiais que são colocados à disposição do cargo – como carros de luxo e estadias em hotéis caríssimos – e é comum vê-lo quebrar o protocolo para buscar maior aproximação com a multidão que sempre o acompanha. “Não lembro de ter ouvido falar em um papa tão simpático quanto ele. Que não fica só no discurso. Ele pratica a humildade, assim como acontecia com o nosso São Francisco. Ele recentemente apreciou um concerto dos meninos da Orquestra Cidadã, do Coque, e optou, em outros tempos, em não assistir a uma apresentação de uma orquestra da elite de Roma”, comentou, com satisfação, o frei Aloísio Fragoso.

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