HOMENAGEM

Ariano Suassuna é um Sertão perene

Escritor paraibano, morto em julho de 2014, está eternizado em Taperoá, cidade em que viveu a infância e que transformou em cenário de sua obras

Mateus Araújo
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Mateus Araújo
Publicado em 14/12/2014 às 0:05
Geyson Magno/Especial para JC
FOTO: Geyson Magno/Especial para JC
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TAPEROÁ – O Sertão continua seco, quente e esperançoso. Continua sendo – como definiu Ariano Suassuna – “o nervo e o osso do Nordeste”, o eixo que norteia e reconduz o Brasil às suas entranhas e à sua essência. Foi dentro deste universo complexo e de incontável riqueza cultural, social e geográfica que o dramaturgo e escritor paraibano de alma pernambucana ergueu sua obra e seu pensamento tão extensos e intensos. Não se tem como adentrar por essas vias longas de asfalto que cortam a caatinga sem se lembrar do olhar fantástico e cuidadoso de Ariano para com este Reino que, diferente dos tantos outros construídos da brutalidade e da violência, é o que se ergue pela generosidade, dignidade e imaginação do povo sertanejo. É impossível, por exemplo, visitar Taperoá, Sertão da Paraíba, sem se reencontrar com Ariano, com o seu povo, seus olhares e, mais que isso, sem se renovar diante da missão de continuar um eterno reencontro com este perene Sertão.

Como o Sol, Ariano está em todos os cantos de Taperoá. Por entre os quase 15 mil habitantes do município à margem do rio que lhe dá nome, não é de se espantar o encontro inusitado com homens, mulheres e animais enormemente parecidos com as descrições dos personagens criados pelo escritor nas suas obras literárias. Não demora para que nos deparemos com vários Chicós, vários Quadernas, padeiros e Joões Grilos. O mestre está nos causos fantásticos, nas rezas de agradecimentos e clamor à padroeira Nossa Senhora da Conceição, no parque de diversão armado em plena praça para alegria e deleite de crianças e adultos. Está nos “heróis infortunados, anônimos e altivos de uma epopeia pobre; heróis que, em seu pauperismo descarnado, sofrem, lutam e reagem, e que pelo simples fato de sobreviverem na dureza e na adversidade, participam da epopeia brasileira que a nossa Arte deve perenizar”, dizia ele. 

Num enorme conjunto de rochas de 60 metros de comprimento – dispostas em três blocos de 20, cada – em meio à areia que range sob os sapatos pela secura do semiárido, Ariano Suassuna também se reergue de maneira onipresente, numa grandiosa obra do seu filho Manuel Dantas Suassuna. Na Ilumiara Jauna, o redesenho das nossas origens através dos traços rupestres, barrocos e contemporâneos das figuras criadas por Dantas e esculpidas na pedra pelo artista Valdemir Vidal, repensa e revê a identidade brasileira através da arte. 

Antes de se encantar para o mundo do eterno, numa das últimas vezes que Ariano esteve em Taperoá ele visitou a Ilumiara. Era final de tarde, em abril do ano passado, quando o Sertão mais uma vez o surpreendeu. Ao lado de sua esposa, Zélia, e do filho Dantas, o escritor vivia a agonia criativa do artista diante da grande arte, frente à grande provocação da imaginação. Cercado de coivaras em chamas, quando o céu se pintava de rosa e azul escuro, Ariano conheceu a grande obra do filho. “Para ele, fogo era sinal de uma boa aula. E naquele dia, eu coloquei vários sinais de boas aulas”, lembra Dantas, herdeiro sanguíneo e artístico do pai, que encontrou no Sertão sua inspiração e seu rumo como pintor. 

O momento, registrado pelo fotógrafo Geyson Magno (que cedeu gentilmente as imagens, inéditas, ao JC) fez Ariano volta às pressas para o Recife, no dia seguinte, e repaginar seu livro O jumento sedutor, para colocar aquele instante eternizado em cena no novo romance. Fez Ariano eternizar, mais uma vez, o Sertão que se manifestara diante dos seus olhos e, em breve, diante das nossas leituras. “A Ilumiara começa na casa da fazenda (atualmente a mais antigas casa do município), seguindo pelo meu ateliê (também dentro da propriedade) e culmina aqui nas pedras. A Ilumiara é a obra-testamento que meu pai deixou para mim”, explica o artista plástico, que precisou interromper a obra por falta de verba, e agora busca patrocínio.

À noite, quando “morto o sol, a terra vai sonhar”, assim bem dito por Ariano, novamente o escritor ressurge na memória de quem visita a cidade onde ele passou parte da infância. Num dia de lua cheia e avermelhada, as estrelas do Sertão desenham no céu uma constelação de encantos. De dentro da Fazenda Carnaúba – onde, junto com o primo Manelito Vilar, Ariano deu início à criação de cabras (vermelhas, pretas, brancas e azuis, como representação de um Brasil malhado) mantida até hoje e premiada no País e no exterior – o dia finda dando início a mais um espetáculo de cores no céu e de poesia num clima já frio do Sertão que durante a manhã sobrevive aos quase 40 graus. Ali está Ariano, na maneira poética e “realista esperançoso” de enxergar a beleza da sua terra. Ali está Taperoá reafirmando a cada dia, a cada sol, a cada lua, a cada encontro com o povo desta cidade, um Sertão perene chamado Ariano Suassuna. 

Geyson Magno/Especial para JC
Ariano Suassuna em visita à Ilumiara Jauna - Geyson Magno/Especial para JC
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Ariano Suassuna em visita à Ilumiara Jauna - Geyson Magno/Especial para JC
Geyson Magno/Especial para JC
Escultor reproduz nas pedra desenhos de Dantas - Geyson Magno/Especial para JC
Geyson Magno/Especial para JC
Ilumiara Jauna tem 60 metros de cumprimento - Geyson Magno/Especial para JC
Geyson Magno/Especial para JC
Coivaras em chamas, durante visita de Ariano - Geyson Magno/Especial para JC

 

HOMENAGEADO - No último final de semana, a cidade de Taperoá rendeu homenagens a Ariano Suassuna, em eventos que envolveram moradores locais, familiares, amigos e a equipe do escritor e dramaturgo paraibano que morreu em julho. Na sexta-feira, dia 5, mais de 60 pessoas receberam o título de Cidadão Taperoaense. Entre eles, netos, filhos, genros e nora, além de jornalistas, músicos, bailarinos e produtores que acompanharam Ariano durante sete anos de trabalho à frente do Circo da Onça Malhada, projeto com o qual ele circulou por mais de 100 cidades pernambucanas dando aulas-espetáculo. Zélia de Andrade Lima Suassuna, sua companheira por 57 anos, foi o centro da reverências. 

Dona de uma delicadeza ímpar e uma beleza encantadora, a matriarca, cercada de sua prole, viu o Sertão agradecer a Ariano pelo carinho e anos de dedicação ao seu povo. Foi em Taperoá que o criador de João Grilo teve o contato com a cultura popular nordestina que daria base às suas criações. Na cidade em que viveu de 1930 a 1942, ele viu pela primeira vez um encontro de cantadores e um espetáculo de mamulengo, e se encantou com a arte do palhaço ao assistir as graças de Gregório, o pícaro personagem do circo mambembe que por ali passou. 

Dona Zélia, que já tinha o título de cidadã taperoaense assim como o filho Dantas Suassuna, desta vez acompanhou a família na cerimônia. O primeiro contato que ela teve com o Sertão foi através de Ariano. No início de 1950, quando foi visitá-lo em Taperoá, onde o escritor se tratava de uma doença no pulmão, Dona Zélia foi recebida com a peça Torturas de um coração, escrita e encenada pelo então namorado, com uma banda de pife e mamulengos. “Zélia mudou a maneira de Ariano escrever. Antes, marcado pela morte do pai, ele se dedicou a tragédias. Com Zélia, ele descobriu o sorriso e a graça, e se dedicou à comédia”, conta Carlos Newton Jr, pesquisador e especialista na obra de Ariano Suassuna.

No domingo (7), Zélia e os Suassuna foram homenageados na igreja matriz de Taperoá, durante a festa de Nossa Senhora da Conceição, padroeira da cidade. Em cortejo saindo de frente da casa construída por João Suassuna, pai de Ariano, no centro, e seguindo em direção à paróquia, a família foi acompanhada de uma banda musical e saudados pelos taperoaenses dentro da igreja. 

No final da noite, o Circo da Onça Malhada voltou a erguer sua lona de magia e beleza. Desta vez, sem o mestre. Emocionados, o grupo de músicos e bailarinos fizeram uma apresentação especial na praça João Suassuna, no centro, onde relembram trechos das aulas-espetáculo Nau e Tributo a Capiba. A primeira, sobre as nossas heranças culturais advindas dos povos que forma a genética brasileira; a segunda, uma homenagem ao compositor pernambucano Capiba. Entre os passos de Maria Paula Costa Rêgo, Jáflis Nascimento, Mestre Meia-Noite e Pedrinho Salustiano, e em meio à melodia dos músicos regidos pelo maestro Antônio Madureira (que conduziu a aula) e das vozes de Isaar França e Ednaldo Cosmo, lá estava Ariano, de novo, onipresente no seu circo que pela primeira vez chegou à sua terra. 

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