ARTE

Historiador dedica 30 anos para confeccionar réplica de símbolo da cultura asteca

Deveraldo Albuquerque ficou encantado com a Pedra do Sol. Todo esse tempo foi em busca da melhor representação para respeitar à história contida na peça

Rossini Gomes
Cadastrado por
Rossini Gomes
Publicado em 31/05/2015 às 7:00
Foto: Guga Matos/JC Imagem
Deveraldo Albuquerque ficou encantado com a Pedra do Sol. Todo esse tempo foi em busca da melhor representação para respeitar à história contida na peça - FOTO: Foto: Guga Matos/JC Imagem
Leitura:

E se você se interessasse por um produto e o criador dissesse que demorou trinta anos para confeccioná-lo? Parece mentira. E é! Mas a explicação é curiosa: “Não foi bem essa peça, mas os moldes que permitem fazê-la.” Deveraldo Albuquerque se refere à Pedra do Sol, conhecida como Calendário Asteca. Fascinado pela cultura dos povos pré-colombianos, sobretudo a dos astecas, ele criou as cerca de 200 formas que moldam cada peça que, quando montada como um quebra-cabeça, forma a obra de 1,60 metro de diâmetro e cerca de 20 quilos, uma réplica da original de 3,5 metros e 30 toneladas. Toda essa dedicação durou três décadas – além do dobro da própria idade, 54 – porque ele só sossegou quando chegou ao resultado considerado ideal.

Esse perfeccionismo revela a paixão de quem quis apenas ser o mais fiel possível ao objeto que “representa a história do mundo sob a ótica da civilização asteca”, que viveu no México e foi extinta na metade do século 16 quando dominada pelos espanhóis. A profissão dele? Historiador e professor. Mas o fascínio, certa vez motivo de desentendimento com a esposa, Célia Figueiredo, 52 (“ela já me chamou de doido”), o está tornando artesão.

O gosto pela arte começou cedo, aos 14 anos, quando Deveraldo já fazia carros de Fórmula 1, helicópteros e tanques de guerra com papelão, cola branca e arame. Menos de cinco anos depois, quando integrante da Terceira Divisão de Levantamento do Exército (de 1979 a 1982), em Olinda, na Região Metropolitana do Recife, percebeu que, na gráfica do local, papelões eram descartados. Com o olhar de quem enxerga arte no lixo, aproveitava parte do material para fazer réplicas das armas de treinamento dos recrutas. “Até que um dia, folheando uma revista no quartel, vi a Pedra do Sol e fiquei apaixonado pela simetria da peça”, lembra. Daí em diante, começou a ler sobre a civilização asteca.

Os 30 anos necessários para a confecção dos moldes deve-se à dificuldade de encontrar os detalhes da Pedra. “Quando comecei, em 1979, não tinha internet, e precisei ir a várias universidades para ver as imagens. Como não era possível ver todos os detalhes, eu mandava ampliar, por questão de respeito à história contida na peça”, conta. Exatamente dez anos depois, Deveraldo ganhou um reforço, quando uma amiga viajou para o México e trouxe “tudo que precisava”: uma camisa com reprodução da Pedra e algumas fotografias que conseguiu no Museu Nacional de Antropologia, localizado na Cidade do México, capital do País, onde está a Pedra original. “Isso me ajudou um bocado”, comenta. “Mandaram também a cópia da capa de um livro, mas eu já tinha, justamente para essa finalidade”, lembra. E assim Albuquerque seguiu, até conseguir o máximo de detalhe possível, num processo de paciência que se arrastou por outras duas décadas.

O desenho foi feito primeiro em um papel com 1,60 metro de diâmetro. Depois, foi transferido para um papelão do mesmo tamanho

Depois da satisfação em ter alcançado as minúcias da Pedra do Sol, foi iniciada a execução. O desenho foi feito em um papel com 1,60 metro de diâmetro, de onde foi transferido para um papelão de mesma dimensão. O passo seguinte foi recortar cada peça, guardadas até hoje, com estilete. “Parece simples, mas cada uma delas é composta de várias camadas de papelão sobrepostas, coladas e depois trabalhadas com bisturi e outras ferramentas de acabamento”, comenta. Criada as peças, foi feito um molde de borracha de cada uma. Essas formas siliconadas permitem que o acabamento da peça seja feito dos mais variados materiais, como cimento, gesso, resina, metal ou alternativos como papel machê ou pó de serra, ambos misturados à cola branca. Por fim, cada uma é colada sobre a base, feita de madeira do tipo compensado naval, mais resistente.

Além da versão com 1,60 metro de diâmetro, Deveraldo também faz réplicas de 80 centímetros (cm). Ao contrário da dinâmica de confecção da maior, essa é feita numa peça inteiriça, em molde único, sem a necessidade de montagem. Mas, para essa, não foram necessárias três décadas. Demorou bem menos, cerca de um ano.

Estou me tornando um artesão e tentando fazer uma página na internet para divulgar e vender o meu trabalho, mas não consigo administrar os dois

lamenta Deveraldo

Graduado em história (escolha ligada ao gosto pela cultura das antigas civilizações), pós-graduado em ciência política e professor das áreas de comunicação, artes e design de interiores, Albuquerque divide o hobby de confecção das peças com o ofício de formação. “Estou me tornando um artesão e tentando fazer uma página na internet para divulgar e vender o meu trabalho, mas não consigo administrar os dois”, lamenta. “Sou mais artista do que vendedor”, reflete, lembrando como prova que o seu trabalho foi exposto pela primeira vez durante a 12ª edição da Feira Nacional de Artesanato do Chevrolet Hall (Fenahall), em Olinda, realizada entre os dias 9 e 18 de janeiro deste ano.

Na ocasião, ele vendeu três réplicas da Pedra do Sol: uma de 1,60 metro e duas de 80 cm de diâmetro. A maior saiu por R$ 10 mil e as duas menores, R$ 1,5 mil cada. “O comprador da grande tinha todas as características de mexicano, mas mal tive contato. Ele informou o endereço, eu deixei na portaria do prédio e peguei o valor. Até perguntei o nome dele ao porteiro, que disse que era ‘Alejandro’. Uma pena não ter conversado com ele, pois gosto de saber o destino da peça”, conta, acrescentando que conseguiu bater um papo com os compradores das demais e que as réplicas são vendidas na loja Empório 213, no bairro do Varadouro, em Olinda.

Na Pedra do Sol há um anel com vinte símbolos. Cada um representa um dia dos 18 meses astecas. “Embora a multiplicação dê 360 dias, o ano para os astecas tinha 365 dias. Os outros cinco eram utilizados para descanso e jejum”, afirma. No centro da peça, há uma figura polêmica. “É o Deus Sol, mas existe uma confusão entre os historiadores. Uns dizem que é o deus Tonatiuh; outros, o Huitzilopochtli. Acho que é o primeiro”, opina. Repleta de símbolos, a Pedra tem também duas serpentes. Segundo Albuquerque, uma representa o dia e a outra, a noite. “As civilizações pré-colombianas costumavam utilizar as serpentes como Deus”, diz.

MEDALHA DE SÃO BENTO - O gosto pelas formas simétricas levou Albuquerque a aceitar o pedido de um amigo, que propôs que fizesse a réplica de outro objeto: a medalha de São Bento. “Ela representa uma espécie de exorcismo. As letras são as iniciais de uma fórmula de exorcismo católico. As pessoas costumam colocá-la na porta de entrada da casa, como um amuleto de boa sorte para afastar o mal, o demônio, a inveja”, explica. Ele aceitou o desafio e fez a réplica utilizando a técnica do papelão. Um parente viu e sugeriu que fizesse outras peças para vender. E a ideia deu certo. O trabalho que começou sob encomenda hoje é feito para revenda, em versões de 20, de 30 ou de 40 cm de diâmetro, em mármore sintético ou em resina, ambos com acabamento de folha de ouro, que confere à peça um caráter envelhecido. As peças, cujos valores variam de R$ 200 a R$ 400, podem ser encontradas no Mosteiro de São Bento, em Olinda, e na loja Capela, no térreo do Paço Alfândega, no Bairro do Recife.

Últimas notícias