Ofício

Profissões que resistem ao tempo

Determinados ofícios estão se tornando raridade no Recife

Mariana Mesquita
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Mariana Mesquita
Publicado em 02/08/2015 às 0:07
Foto: Ashlley Melo/JC Imagem
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José Fonseca é relojoeiro há mais de 60 anos - Foto: Ashlley Melo/JC Imagem
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Quem quiser conhecer o espaço de seu Fonseca, pode procurar no Largo da Encruzilhada, 53 - Foto: Ashlley Melo/JC Imagem
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Seu Fonseca atende no horário comercial. Fone para contato: (81) 30889003. - Foto: Ashlley Melo/JC Imagem
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Ele trabalha com relógios modernos, mas é especialistas em carrilhões e outras peças antigas - Foto: Ashlley Melo/JC Imagem
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Detalhe do mecanismo de um relógio carrilhão - Foto: Ashlley Melo/JC Imagem
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Joab Batista trabalha com restauração de pianos há mais de 20 anos - Foto: Ashlley Melo/JC Imagem
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Detalhe do interior de um piano antigo - Foto: Ashlley Melo/JC Imagem
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Detalhe do teclado de marfim que está em processo de restauro - Foto: Ashlley Melo/JC Imagem
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Detalhe do interior de um piano antigo - Foto: Ashlley Melo/JC Imagem
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Joab leva cerca de três horas para afinar um piano. - Foto: Ashlley Melo/JC Imagem
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Detalhe do interior de um piano antigo - Foto: Ashlley Melo/JC Imagem
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Além de afinar, a empresa Chateau Pianos / Pianoforte Pernambuco fabrica e aluga instrumentos - Foto: Ashlley Melo/JC Imagem
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Rogério Rufino, 33, é amolador há 7 anos - Foto: Ashlley Melo/JC Imagem
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Detalhe da amolação de um alicate - Foto: Ashlley Melo/JC Imagem
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Detalhe da amolação de um alicate - Foto: Ashlley Melo/JC Imagem
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Pedro Eduardo Nascimento, "Dudu", tem 21 anos e trabalha como amolador desde os 13 - Foto: Ashlley Melo/JC Imagem
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Detalhe da amolação de um alicate - Foto: Ashlley Melo/JC Imagem
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Aderaldo Ponce de Leon é técnico em eletrônica e trabalha na rua da Conceição, 128 - Foto: Ashlley Melo/JC Imagem
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Junto com o filho Alisson, de 11 anos, Aderaldo exibe um dos 5 mil vinis que estão para venda - Foto: Ashlley Melo/JC Imagem
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Aderaldo sofreu com a crise, mas agora vibra com a procura por equipamentos com toca-disco - Foto: Ashlley Melo/JC Imagem
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Para contactar Aderaldo, é só ligar (81) 34215243 - Foto: Ashlley Melo/JC Imagem
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Carlos Alberto Silva tem 58 anos e é sapateiro desde os 12 - Foto: Ashlley Melo/JC Imagem
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Detalhe da fachada de seu box no mercado da Encruzilhada. - Foto: Ashlley Melo/JC Imagem
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Carlos Alberto diz que clientes lucram com conserto, pois calçados ficam novos - Foto: Ashlley Melo/JC Imagem
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Josiel Pereira Bezerra (Déo) conserta bolsas e mochilas no box 40 do mercado de Casa Amarela - Foto: Ashlley Melo/JC Imagem
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Para contactar Déo, é só ligar (81) 33527218. - Foto: Ashlley Melo/JC Imagem
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Déo conserta uma média de 60 bolsas por semana. - Foto: Ashlley Melo/JC Imagem
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Severino Ramos tem 55 anos e trabalha restaurando cadeiras desde a adolescência. - Foto: Ashlley Melo/JC Imagem
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Detalhe da habilidade de Severino no trançado da palha da índia. - Foto: Ashlley Melo/JC Imagem
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Detalhe da habilidade de Severino no trançado da palha da índia. Ele também usa vime e fio-macarrão. - Foto: Ashlley Melo/JC Imagem
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Quem quiser procurar Severino, é só chegar na avenida Flor de Santana, 219, Casa Forte. - Foto: Ashlley Melo/JC Imagem

Enquanto a pressa, o plástico e as novas tecnologias ocupam espaço no cotidiano das pessoas, algumas profissões, teimosamente, resistem. Talvez porque, como lamenta o encadernador Francisco Ruas, de 66 anos, não se tenha mais idade para começar de novo. Ou porque, como festeja o técnico em afinação de pianos Joab Batista, de 38 anos, a escassez de concorrência gera filas de espera pelo atendimento.

Certos lugares parecem funcionar como “portais” para a volta no tempo. Caso da Rua da Conceição, no bairro da Boa Vista, polo de brechós e mobiliário antigo onde o técnico em eletrônica Aderaldo Ponce Leon, 54, guarda dezenas de vitrolas, gravadores de fita cassete e televisões. Ou os mercados da Encruzilhada e de Casa Amarela, onde se consertam ferros elétricos, panelas de pressão, sapatos, bolsas e outros artigos. “Herdei o negócio do meu pai. Este box tem mais de 40 anos e a freguesia vem desde esse tempo, passando de avó para filha e de filha, para neta”, descreve Jaciel Santos, 35, que ocupa o número 116 do mercado da Encruzilhada e sempre recebe clientes buscando uma solução mais em conta do que comprar uma peça nova. Para trocar uma resistência, ele cobra R$ 15. Para consertar uma panela, entre R$ 5 e R$ 20.

Outro ponto tradicional é o Beco do Veado, nome popular da Travessa de São Pedro – uma ruazinha que liga o Pátio de São Pedro à Rua Direita, no bairro de São José. Lá, se concentram a maioria dos amoladores de faca, tesoura e alicate do Recife e adjacências. “Vai amolar, freguesa?”, se esgoelam diante da mulherada que frequenta o vuco-vuco. São cerca de 20 profissionais se amontoando no espaço estreito e cobrando a partir de R$ 4 para deixar as peças afiadas como novas. Há serviço para todos. “Antes vinha muita tesoura de cortar tecido, mas a quantidade de alfaiates e costureiras caiu muito, e a maioria das tesouras hoje são chinesas, descartáveis”, lamenta Rogério Rufino, 33. Seu colega Pedro Eduardo Nascimento, o “Dudu”, de 21 anos, começou aos 13 a trabalhar no Beco do Veado e comemora o fato de que “os salões de beleza precisam de amoladores”. O carro-chefe de ambos são os alicates, “que toda mulher precisa ter na bolsa”, além das máquinas de cortar cabelo. 

CRISE ECONÔMICA E COMPETIÇÃO CHINESA

Os amoladores Rogério e Dudu não têm medo da concorrência, mas da escassez de freguesia. “A procura já foi muito melhor. A condição financeira das pessoas piorou demais nos últimos tempos”, constata Rogério. O sapateiro Carlos Alberto Silva, 58, concorda com eles. “Caiu muito a procura nos últimos meses”, reclama Carlos Alberto, que desde seus 12 anos se dedica ao ofício de fabricar e consertar calçados, e está estabelecido há quatro décadas no box externo 12 do mercado da Encruzilhada.

Ele não sabe calcular o quanto ganha com os pequenos reparos que custam a partir de R$ 5, mas diz que consertar representa vantagem. “Vale muito a pena, por R$ 45 você troca o solado de um sapato de couro que custa R$ 400, e ele fica novo”, apregoa. O sapateiro acredita que a profissão não se acabará tão cedo. Mesmo seus dois filhos tendo preferido seguir outros caminhos, há muitos aprendizes do ofício de fazer um bom calçado. Ele para e toma fôlego, antes de assumir seu absoluto desprezo pelas peças descartáveis que têm sido vendidas “por aí”.

O mesmo desdém pelo “material fuleiro” é declarado pelo empalhador Severino Ramos, de 55 anos. “O plástico está matando a arte”, avalia, desiludido. “Só quem sabe o que é bom opta por uma cadeira como estas que eu restauro”, conta Severino, exibindo um modelo Gerdau de balanço, com encosto e assento de palha da índia trançada manualmente. Morador da comunidade Lemos Torres, anteriormente conhecida como Ilha das Cobras, seu Severino criou filhos e netos a partir desse trabalho e também ensinou o ofício à meninada da área. Hoje, se divide entre os serviços de empalhador e a fabricação e venda de carrocinhas de zinco, e ainda toma conta de um fiteiro que fornece bolo, pipoca, biscoito e cafezinho aos passantes.

Mesmo assim, diz ele, o apurado não está dando para pagar as contas. “A crise afetou tudo quanto é comércio”, tenta se conformar. A ele resta o orgulho de ser referência neste tipo de trabalho na região de Casa Forte. “Vem gente de longe trazer as peças”, destaca. Ele pinta, enverniza, faz pequenos restauros de marcenaria e é especialista em vime, palhinha e “fio-macarrão”, material multicolorido comum nas varandas das avós recifenses até os anos 1970. Faça chuva ou sol, Severino pode ser encontrado trabalhando na avenida Flor de Santana, 219. 

Nem todos, porém, se incomodam com a concorrência dos materiais importados de preço mais baixo e qualidade inferior. Josiel Pereira Bezerra, o “Déo”, de 56 anos, começou como sapateiro aos 14 e, atualmente, especializou-se em consertar bolsas e mochilas. Ocupando há duas décadas o box 40 do mercado de Casa Amarela, Déo diz que o movimento se mantém normalmente. Ele remenda uma média de 60 bolsas por semana. “Bolsa chinesa vem sempre com defeito, e eles trazem pra eu consertar”, ironiza, sorrindo. 

NOVAS TECNOLOGIAS E REINVENÇÕES

Seu José Fonseca, de 81 anos, troca pilha de relógio digital e entende até do funcionamento da câmera de última geração carregada pela fotógrafa que registrava esta matéria para o JC. Sua especialidade, porém, são os delicados mecanismos dos relógios antigos. Trabalhando num vão de escadaria no número 53 do Largo da Encruzilhada, bem próximo ao mercado, ele se dedica ao ofício desde adolescente. Aprendeu com o irmão e ensinou aos filhos, embora estes tenham seguido outros rumos.

Observador e de fala suave, seu Fonseca é conhecidíssimo no bairro e pretende continuar na ativa enquanto viver. “Tem pouca gente que entende deste serviço. É uma profissão antiga, não sei se vai perdurar no futuro. Imagino que talvez mais uns cem anos”, especula. 

Seu Chico, encadernador desde os 18 anos, sofre com a decadência observada em seu ramo nos últimos 20 anos. “É um serviço artesanal que passa por sérias dificuldades. A salvação eram as teses e monografias, mas agora tem faculdade aceitando que os trabalhos sejam entregues com encadernação em espiral ou até mesmo, em CD”, descreve. Ex-professor do Liceu de Artes e Ofícios, onde ensinava os truques da encadernação aos adolescentes, seu Chico atende seus clientes na Rua Siqueira Campos, 279, sala 414.

Segundo ele, até conseguir material decente está se tornando mais complicado. “Antigamente, se usava couro, com gravação em letras douradas e prateadas. Depois, percaline, depois outros materiais sintéticos. Agora, as fábricas estão fechando e o custo da matéria-prima, subindo”, relata.

Aderaldo viveu um momento de desespero parecido a partir dos anos 1990, quando os CDs suplantaram os long-plays e muitos equipamentos de som foram aposentados ou jogados fora. Depois de guardar por mais de uma década várias vitrolas completas, além de sucatas eletrônicas variadas, ele viu a demanda aumentar nos últimos tempos. “A procura está grande”, comemora. “O pessoal voltou a curtir e a procurar vinil para comprar”, relata, exibindo o estoque de LPs. Instalado no número 28 da Rua da Conceição, ele vende toca-discos e também realiza consertos que custam em média R$ 70, colocando os aparelhos dos clientes para funcionar de novo.

O apelo do artesanal é o trunfo do funcionário público Roberto Andrade, de 60 anos. Há quase duas décadas ele utiliza suas horas vagas para fazer um dinheiro extra como calígrafo, chegando a sobrescritar mil convites de casamento por mês. “Comecei por acaso, porque uma amiga gostou de minha letra. Em seguida, fui a São Paulo receber treinamento especializado e comprar material para trabalhar”, relembra.

Descrevendo a atividade como “uma terapia”, Roberto criou página no Facebook e não teme a concorrência das etiquetas adesivas impressas que têm sido utilizadas pelas noivas, ultimamente. “A escrita manual dá um resultado mais sofisticado e tenho muito cuidado com o material que utilizo, com canetas de pena e tintas importadas da Europa”, descreve. 

A certeza de ter um nicho permanente, numa cidade em que a música clássica ainda é exercida com força, também tranquiliza o afinador de pianos Joab Batista. Funcionário há mais de 30 anos da empresa Pianoforte Pernambuco, ele conta que o Recife é a cidade onde mais se consertam pianos no Nordeste, e que há filas esperando por seus serviços. “Anualmente, faço uma especialização na empresa Yamaha, da qual sou técnico credenciado. Mas aprendi este ofício com o avô do atual dono da empresa, pois não existe curso de mecânica de piano no Brasil”, explica.

Na ampla oficina localizada na Rua da Regeneração, 433, no Arruda, peças com mais de cem anos são minuciosamente restauradas. “Pode-se dedicar até quatro meses ao conserto de um piano”, conta, reverente, enquanto dedilha um antigo teclado de marfim. “Enquanto existir a figura do pianista, que através do instrumento acústico expressa sua sensibilidade de uma forma que não é possível fazer no teclado eletrônico, minha profissão vai continuar existindo”, conclui.

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