Resgate

Projeto Bicho Preguiça recupera animais em Pernambuco

Equipe utiliza diversos instrumentos na reabilitação, que envolve fisioterapia e muito carinho

Mariana Mesquita
Cadastrado por
Mariana Mesquita
Publicado em 16/08/2015 às 0:43
Foto: André Nery/JC Imagem
FOTO: Foto: André Nery/JC Imagem
Leitura:

Agarrada ao pescoço de Fernanda, Sara olha placidamente para a copa da embaúba, a dez passos de distância.As folhas continuam sendo seu principal alimento, mas a preguiça não tem mais condições de escalar a árvore. Há um ano sob os cuidados da bióloga Fernanda Justino, Sara vem fazendo fisioterapia e até recebeu a doação de um sling para poder ser carregada, como um bebê, várias horas por dia.

Desde que chegou, quase morrendo, ela recuperou a saúde, mas provavelmente jamais poderá ser solta na natureza, porque tem o lado esquerdo do corpo totalmente paralisado. Ainda assim, a dócil Sara exerce um papel muito importante dentro do projeto Bicho Preguiça, realizado em parceria com a Agência Estadual de Meio Ambiente (CPRH): ela atua como “mãe adotiva” para as preguiças-bebês que chegam ao órgão. Caso de Binho, um machinho de quatro meses que é alimentado com mamadeiras de leite sem lactose para recém-nascidos e, quando estiver mais crescido, será reintegrado à mata do zoológico de Dois Irmãos. 

O projeto inovador existe há quatro anos e tomou mais força em 2014, quando a responsabilidade pelos animais silvestres foi estadualizada, passando do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama) para a CPRH. Fernanda, apaixonada pelas preguiças desde criança, trabalha junto com o veterinário responsável pelos mamíferos do zoológico, Dênisson Souza. De tanto atuarem juntos, acabaram namorando. E é com naturalidade que chegam a levar os animais doentes para as próprias casas, cuidando deles noite e dia e alcançando resultados que vêm se tornando referência no País. 

Até 2011, os animais com problemas precisavam ser levados para Ilhéus, na Bahia, onde a bióloga Vera Lúcia de Oliveira realiza um projeto pioneiro com a espécie preguiça-de-coleira. As nativas de Pernambuco são de um tipo diferente (preguiça comum ou de garganta marrom), mas por conta da falta de suporte local, os bichos eram encaminhados para lá. Hoje, Fernanda e Dênisson comemoram ter conseguido devolver vários animais à natureza, com um índice de sucesso sem precedentes. A bióloga lembra com especial carinho de Clarice, que ficou sob sua guarda por um ano e meio e depois ganhou a liberdade. “Pintei as unhas dela com esmalte colorido e continuo mapeando, para saber se está bem”, ri Fernanda, feliz.

Foto: André Nery/JC Imagem
A bióloga Fernanda Justino recebe as preguiças da CPRH e realiza com elas uma reabilitação - Foto: André Nery/JC Imagem
Foto: André Nery/JC Imagem
Sara (adulta) tem deficiências, mas atua como "mãe adotiva" para o filhote Binho e outros bebês - Foto: André Nery/JC Imagem
Foto: André Nery/JC Imagem
Fernanda trata os animais juntamente com o veterinário Dênisson Souza - Foto: André Nery/JC Imagem
Foto: André Nery/JC Imagem
Binho, de quatro meses, está pouco a pouco aprendendo a sobreviver sozinho - Foto: André Nery/JC Imagem
Foto: André Nery/JC Imagem
Apesar do nome "preguiça", Binho é rápido e consegue escalar troncos em poucos minutos - Foto: André Nery/JC Imagem
Foto: André Nery/JC Imagem
Sara tem o lado esquerdo paralisado e por isso precisa ser carregada várias horas por dia - Foto: André Nery/JC Imagem
Foto: Mariana Mesquita/JC Imagem
Enoch Leite fabrica slings para bebês, mas quis doar uma peça para Sara quando soube de sua história - Foto: Mariana Mesquita/JC Imagem
Foto: Mariana Mesquita/JC Imagem
A peça foi confeccionada com material específico para resistir às unhas pontiagudas do animal - Foto: Mariana Mesquita/JC Imagem
Foto: Mariana Mesquita/JC Imagem
Enoch, da Casulinho, fez questão de ir levar o sling, junto com o pequeno Antonio - Foto: Mariana Mesquita/JC Imagem
Foto: Mariana Mesquita/JC Imagem
Apesar de aparentemente dócil, a preguiça é um animal selvagem e não pode ser criada em casa - Foto: Mariana Mesquita/JC Imagem
Foto: André Nery/JC Imagem
O pequeno Binho encanta todos os que se aproximam dele - Foto: André Nery/JC Imagem
Foto: Mariana Mesquita/JC Imagem
No museu do zoo de Dois Irmãos, esqueletos de preguiça ajudam a mostrar as características do bicho - Foto: Mariana Mesquita/JC Imagem
Foto: Mariana Mesquita/JC Imagem
Sara é um instrumento útil para ensinar sobre as preguiças e a importância do meio ambiente - Foto: Mariana Mesquita/JC Imagem

IGNORÂNCIA É LETAL

As unhas da preguiça, sua principal arma, são também alvo da cobiça dos supersticiosos: há uma crendice que diz que seu chá seria remédio para “cansaço”. “Logo a preguiça, cuja principal fraqueza são as doenças respiratórias”, lamenta Fernanda. Embora o abate seja proibido por lei, a carne do bicho também é apreciada, da mesma forma que se comem seus “primos” tatus e tamanduás. A grande dificuldade de se lidar com as preguiças, porém, é acadêmica: o animal desperta pouco interesse dos pesquisadores e, como é arborícola, é difícil de ser avistado.

A ignorância sobre os hábitos das preguiças dificulta seu estudo e manejo, e muitos filhotes morrem ao receber alimentos inadequados. “Preguiça não bebe água e tem um sistema digestivo complexo. A dieta delas é muito restrita”, destaca a bióloga, que entre suas tarefas diárias inclui a busca por brotos e folhas adequados a Sara, Binho e outros dois animais com problemas: Giba, que teve um braço amputado, e Jade, que sofre de deformações ósseas e, apesar de adulta, tem o tamanho de um filhote.

Letárgicas como o sentimento que lhes deu o nome, as preguiças vivem cerca de 40 anos e são muito ágeis quando querem fugir ou se defender. Neste caso, podem ser agressivas e causar ferimentos sérios. “Não é um animal doméstico. A vocação da preguiça é a vida selvagem”, defende Dênisson. Por conta do desmatamento e crescimento desordenado das cidades, tem sido relativamente comum encontrar preguiças acidentadas ou bebês separados das mães. Segundo Fernanda, isso ocorre especialmente em dois momentos: na época de chuva, por volta de julho e agosto, quando os filhotes começam a se desgarrar das mães e aprender a procurar o próprio alimento, e em janeiro, quando os adultos machos saem em busca das fêmeas para copular.

“O ideal, quando se encontra um animal, é não mexer nele”, alerta. No caso dos filhotes caídos, deve-se aguardar de longe que a própria mãe busque o bichinho (se sentir o cheiro humano na cria, ela pode “estranhar”), e só em último caso contactar a CPRH, que é o órgão que resgata os animais. Da mesma forma, não se deve tirar um animal adulto de seu território de origem, a não ser que esteja ferido. “O máximo que se pode fazer é ajudar o bicho, colocando-o mais adiante e na mesma direção para onde ele tentava ir, caso esteja atravessando uma rodovia”, exemplifica.

Só em 2015, 32 preguiças chegaram à CPRH, mas apenas as que precisavam de reabilitação foram encaminhadas para as mãos de Fernanda e Dênisson. “O número dos que ficam em tratamento conosco é muito variável”, conta ela, enquanto acaricia o pequeno Binho, que chegou há cerca de 15 dias.

CARISMA E CONSCIENTIZAÇÃO

A importância do trabalho do casal cativou Enoch Leite (Casulinho). Ele fabrica carregadores (slings) para bebês humanos e não hesitou em doar uma peça especial para Sara, confeccionada com um tecido mais resistente por conta de suas unhas. O sling vai ajudar a preguiça a ser transportada e a se exercitar, e a visão de Sara dependurada no artefato, junto com um sonolento Binho, causou sensação entre os visitantes do zoológico durante a realização desta reportagem. 

Embora as deficiências limitem suas possibilidades de sobrevivência na natureza, a hipótese de sacrificar o animal jamais foi levantada nem pela equipe de tratadores, nem pela CPRH, que arca com os custos do tratamento. Sara virou um símbolo de resistência e sua história vem encantando muita gente. Fernanda também é educadora ambiental no zoológico (que dá suporte ao projeto Bicho Preguiça) e, apesar de evitar expor os animais por medo de que peguem doenças, ela às vezes utiliza Sara como instrumento para mostrar os males da degradação da natureza e da construção desordenada. No museu osteotécnico do zôo, um esqueleto de preguiça, encarapitado num tronco de árvore, também desperta a curiosidade dos visitantes e ajuda a fortalecer a ideia de que é necessário aprender mais sobre o simpático mamífero e a conviver em harmonia com a natureza. 


CONTATOS

CPRH/Unidade de Gestão de Fauna - (81) 31828905

Museu do Zoológico de Dois Irmãos - (81) 31847750

Enoch Leite (Casulinho) - (81) 988906191 / 999221517

Últimas notícias