A constitucionalidade da Medida Provisória 966/2020, assinada por Bolsonaro com a intenção de isentar agentes públicos de crime, por ação ou omissão em mortes causadas pela covid-19 é duvidosa, pra dizer o mínimo. Mas, não é só isso. O presidente está, oficialmente, garantindo que ninguém, inclusive ele, seja responsável por nada referente à pandemia.
Na prática, a medida anistia previamente quem ignorou a gravidade da doença (ele próprio), mas também um prefeito ou governador que, por exemplo, tenha mandado abrir um comércio porque acha que é melhor morrer logo todo mundo e seguir a vida, e a economia, com quem sobrar.
É claro o objetivo de mandar recado aos gestores bolsonaristas que não abrem as economias com medo de serem responsabilizados pelo número de mortes posterior. A MP incentiva gestores a serem irresponsáveis com a vida das pessoas. Com a garantia de não punição.
O texto incentiva mortes por covid-19 como se estas fossem naturais e ordinárias. É como se a vida de uma pessoa que morreu durante a pandemia valesse menos do que o de uma pessoa que morreu por qualquer outro ato e não merecesse nem mesmo uma investigação de responsabilidade.
Até mortes ocorridas durante a guerra, onde se vai para matar ou morrer, estão sujeitas aos tribunais posteriormente. Mas, quem morre pela omissão de gestores públicos durante uma pandemia que vinha sendo tratada como “gripezinha” pelo Presidente da República não está sujeito a nenhum tipo de averiguação?
O texto da MP é muito claro em garantir que nenhuma referência de culpa ou dolo seja atribuída para o agente público que não tiver a intenção direta de matar as pessoas através da covid-19. É um absurdo completo.
Veja o que diz o segundo parágrafo do primeiro artigo da Medida: "O mero nexo de causalidade entre a conduta e o resultado danoso não implica responsabilização do agente público".
Significa que se o agente público tomou uma decisão que levou a milhares de mortos, não pode ser considerado responsável. O texto ignora a relação entre causa e efeito. Simples assim.
Se a MP prevalecer, dezenas de milhares de pessoas vão morrer sem que os familiares saibam, jamais, se essas mortes poderiam ter sido evitadas. Sem que nem se possa questionar isso.
Bolsonaro conta com os deputados do fisiológico centrão para garantir a manutenção de suas vontades enquanto distribui cargos com eles.
Mas cada dia em que esse texto estiver em vigor será um dia a mais de vergonha para o parlamento brasileiro.
Lei o texto completo da MP:
MP nº 966, de 13 de maio de 2020
Dispõe sobre a responsabilização de agentes públicos por ação e omissão em atos relacionados com a pandemia da covid-19.
O PRESIDENTE DA REPÚBLICA, no uso da atribuição que lhe confere o art. 62 da Constituição, adota a seguinte Medida Provisória, com força de lei:
Art. 1º Os agentes públicos somente poderão ser responsabilizados nas esferas civil e administrativa se agirem ou se omitirem com dolo ou erro grosseiro pela prática de atos relacionados, direta ou indiretamente, com as medidas de:
I - enfrentamento da emergência de saúde pública decorrente da pandemia da covid-19; e
II - combate aos efeitos econômicos e sociais decorrentes da pandemia da covid-19.
§ 1º A responsabilização pela opinião técnica não se estenderá de forma automática ao decisor que a houver adotado como fundamento de decidir e somente se configurará:
I - se estiverem presentes elementos suficientes para o decisor aferir o dolo ou o erro grosseiro da opinião técnica; ou
II - se houver conluio entre os agentes.
§ 2º O mero nexo de causalidade entre a conduta e o resultado danoso não implica responsabilização do agente público.
Art. 2º Para fins do disposto nesta Medida Provisória, considera-se erro grosseiro o erro manifesto, evidente e inescusável praticado com culpa grave, caracterizado por ação ou omissão com elevado grau de negligência, imprudência ou imperícia.
Art. 3º Na aferição da ocorrência do erro grosseiro serão considerados:
I - os obstáculos e as dificuldades reais do agente público;
II - a complexidade da matéria e das atribuições exercidas pelo agente público;
III - a circunstância de incompletude de informações na situação de urgência ou emergência;
IV - as circunstâncias práticas que houverem imposto, limitado ou condicionado a ação ou a omissão do agente público; e
V - o contexto de incerteza acerca das medidas mais adequadas para enfrentamento da pandemia da Covid-19 e das suas consequências, inclusive as econômicas.
Art. 4º Esta Medida Provisória entra em vigor na data de sua publicação.
Brasília, 13 de maio de 2020; 199º da Independência e 132º da República.
JAIR MESSIAS BOLSONARO
Paulo Guedes
Wagner de Campos Rosário
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