Cena Política

A falácia política sobre o passaporte de vacina para catar votos de uma patetice

Vereadores e deputados poderiam prestar um serviço espetacular à sociedade, caso estivessem dispostos a usar o inciso XV do artigo 5º, com honestidade intelectual, para melhorar as calçadas das cidades, por exemplo.

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Igor Maciel

Publicado em 16/12/2021 às 13:13
Análise
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Quem critica o passaporte vacinal, usa o "direito de ir e vir" como argumento.

A Liberdade de Locomoção está na Constituição Federal de 1988, no artigo 5º, inciso XV, mas tem raízes profundas originadas nas primeiras cartas magnas ocidentais, na Inglaterra, passando por Portugal, até chegar aqui na Constituição de 1824.

O contexto histórico é importante, mas eu explico daqui a pouco.

Primeiro, é necessário observar como o desejo por promoção pessoal e votos acaba prejudicando um debate legítimo e muito mais importante. É que o inciso XV do artigo 5° é a base para toda a luta dos cadeirantes e demais pessoas com dificuldades de locomoção, por exemplo, para lutar por calçadas e imóveis acessíveis.

Hoje, o cadeirante que tenta andar pelo Recife, ainda terá dificuldade para atravessar ruas ou, simplesmente, circular por uma calçada.

Que bom que vereadores e deputados "descobriram" o inciso XV.

Que pena que foi pelos motivos errados.

Cabe aqui, ainda com uma nesga de esperança, a possibilidade de que os políticos bolsonaristas que tentam ganhar votos usando esse pedacinho da Constituição descubram as imensas possibilidades das 27 palavras desse inciso.

A saber: "é livre a locomoção no território nacional em tempo de paz, podendo qualquer pessoa, nos termos da lei, nele entrar, permanecer ou dele sair com seus bens".

O Brasil tem cerca de 25% da população com algum tipo de deficiência e a grande maioria têm dificuldade de locomoção.

Na ânsia de encontrar algum texto na lei que sirva ao oportunismo, nossos políticos podem prejudicar a luta dessas pessoas.

Mas, eu falava sobre o contexto histórico da legislação. O direito de ir e vir, como locomoção, está registrado pela primeira vez na famosa Magna Carta que o rei João foi obrigado a assinar, aceitando uma limitação em seus próprios poderes, lá no século XIII.

O texto falava sobre a permissão “aos comerciantes e homens livres apenas, a liberdade de sair e entrar na Inglaterra, nela residir e percorrer, tanto por terra como por mar, ressalvadas as situações de guerra”.

Bem parecida com a redação do nosso texto atual.

A constituição portuguesa de 1822 copiou a medida e a brasileira de 1824 ampliou seu horizonte.

Algo importante é que, se observar bem, o texto que garante a liberdade de locomoção nunca é irrestrito, sempre tem alguma limitação. O "em tempos de guerra" ou "em tempos de paz", sempre está presente.

No caso do Brasil, o que nossos políticos babando por votos ideológicos não contam às suas bases é que todas as normas constitucionais estão interligadas e precisam ser harmônicas.

Na carta de 1988, a chamada "Constituição Cidadã", nenhum direito individual pode estar acima de um direito coletivo.

E o direito coletivo à saúde é infinitamente maior que o direito de ir e vir.

Numa analogia absurda, sua liberdade para fazer o que quiser não precisa ser respeitada se você está indo matar pessoas.

É verdade que ninguém pode ser obrigado a tomar vacina, embora haja interpretações contrárias, mas também é garantido que seu acesso deve ser restrito em ambientes públicos, já que está provado cientificamente que, sem a vacinação completa, você coloca a saúde coletiva em risco.

Vereadores e deputados poderiam prestar um serviço espetacular à sociedade, caso estivessem dispostos a usar o inciso XV do artigo 5º, com honestidade intelectual, para melhorar as calçadas das cidades.

O benefício coletivo seria imenso.

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