Observe a foto nesta página, acima.
Do lado esquerdo está o candidato vencedor da eleição chilena do último domingo, Gabriel Boric.
À frente dele, o opositor, José Antônio Kast.
Entre eles, uma jarra e dois copos contendo água. Nada mais.
Porque nada mais é necessário quando o que importa é o futuro de um país que você se propôs a administrar para melhorar a vida de seus compatriotas.
Ao fim de uma das mais acirradas eleições do Chile, é importante dizer que a foto que estampa esta coluna não é uma montagem. Aconteceu horas após o resultado. Boric é um ex-líder estudantil de esquerda e será o novo presidente do país. Kast era chamado de "Bolsonaro do Chile", ligado à direita conservadora no país.
Foi uma disputa de extremos, uma eleição marcada pela polarização, onde as opções mais equilibradas, centrais, ficaram pelo caminho. Qualquer semelhança com o Brasil que se prevê em 2022 não é mera coincidência.
Mas, a semelhança ficou presente na guerra do voto. Depois, esqueça. O Chile é outro país. Embora o acirramento tenha sido grande, a foto mostra dois líderes e não dois raivosos inimigos. Mostra uma relação democrática e republicana.
É uma imagem do que gostaríamos de ter no Brasil? Talvez não estejamos evoluídos o suficiente para isso, mas seria bom.
A primeira atitude do derrotado Kast foi ligar para o vencedor. A apuração ainda estava em 70% quando o candidato da direita resolveu admitir a derrota. Não parou por aí. Decidiu ampliar seu gesto de grandeza e foi visitar Boric. A imagem, dos dois sentados à mesa, conversando sobre o futuro do país, é um exemplo para o mundo.
Métodos diferentes para a condução de um governo só são instrumentos de comparação numa disputa eleitoral. O povo, chileno ou brasileiro, tem problemas maiores para resolver do que desenterrar e embalar patetices.
Temos líderes capazes de fazer o mesmo aqui? Provavelmente, ainda não. Num regime democrático, lideranças políticas são extensões quase exatas dos eleitores e da cultura na qual o país está imerso. O eleitor brasileiro ainda não entende isso.
Enquanto Boric e Kast se encontravam para bater papo sobre o país deles, Geraldo Alckmin (sem partido) e Lula (PT) se encontraram para jantar juntos e conversar sobre o acerto, quase fechado, em que um será vice do outro. As fotos dos abraços, imediatamente, começaram a circular junto com declarações anteriores de um contra o outro, tentando ridicularizar a possibilidade de acordo.
Eleição no Brasil é como futebol. Em 2017, um zagueiro do São Paulo chamou atenção por causa de sua honestidade. Sim, no futebol honestidade é notícia extraordinária. Rodrigo Caio, na época jogando pelo São Paulo, ao ver que o juiz puniu Jô, do Corinthians, com um cartão amarelo, foi lá para admitir que a culpa pela jogada irregular tinha sido dele próprio e não do adversário.
O atacante, se tivesse levado o cartão, seria suspenso.
Os torcedores nunca perdoaram Rodrigo Caio e ele foi criticado por semanas, acusado, inclusive por companheiros de clube, de não jogar pelo time.
Voltando à política, em 2002, quando venceu a eleição pela primeira vez e virou presidente da República, Lula recebeu Fernando Henrique Cardoso (PSDB) no Palácio do Planalto.
Conversaram amenidades, Ruth Cardoso explicou como funcionavam as coisas por lá. Entregaram "as chaves" e foram embora com a promessa de que voltariam a conversar para trocar impressões sobre o país.
A aproximação nunca aconteceu e FHC sempre se mostrou bastante magoado. Um dia, questionado sobre isso, Lula explicou a um amigo deles em comum: "O eleitor não entende essas coisas. Nem o meu, nem o dele".
Vinte anos depois, nem Lula e nem Bolsonaro parecem estar dispostos a agir de forma diferente. Pegue a foto do Chile e imagine se é possível que, amanhã, sejam Lula e Bolsonaro nessas condições, dividindo uma jarra cheia com água, numa sala vazia de ódio.
Ainda não é, infelizmente.
Comentários