Cena Política

Sobre a contribuição de Olavo de Carvalho para o bolsonarismo e sobre idolatrar o homem ao invés da obra

A influência de Olavo fez do bolsonarismo um caldeirão caótico. Intelectuais falando imbecilidades para ganhar seguidores. Imbecis falando sobre assuntos dos quais não entendem absolutamente nada para tentar provar que nunca foram imbecis.

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Igor Maciel

Publicado em 25/01/2022 às 11:02 | Atualizado em 25/01/2022 às 11:07
Análise
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O homem e suas obras deveriam sempre ser apartados, evitando que suas falhas contaminem o resultado de sua passagem pela Terra.

Nesse momento, é quase repreensível falar de Olavo de Carvalho sem que seja para criticá-lo pelas bobagens que disse e pelos crimes que pode ter cometido ao usar sua influência com o objetivo de ganhar notoriedade política no fim da vida.

Mas, quem já foi além do Twitter e criou coragem para ler algum dos seus livros, encontrou conteúdo bem mais sóbrio.

É preciso alertar: este texto não é um elogio ao morto. É apenas um retrato da situação e da sua influência no bolsonarismo.

Sigamos.

Em seus livros, não no Twitter, Olavo fez um diagnóstico interessante sobre os rumos da humanidade, quebrou alguns paradigmas. O uso que fez dos problemas que identificou, porém, jogaram tudo num buraco.

As redes sociais acabam evidenciando os seres humanos por trás das ações meritórias. Se Einstein tivesse uma conta no Twitter, talvez descobríssemos que o gênio era misógino e racista (sim, era). Trechos de um diário escrito por ele nos anos 1920 trazem comentários depreciativos sobre chineses e sobre as mulheres.

Os Bandeirantes, glorificados por séculos no Brasil, escravizavam e matavam índios. Se tivessem uma página no Facebook postando fotos das Bandeiras, na época, talvez a "descoberta" acontecesse mais cedo.

Mesmo assim, não se pode menosprezar a Teoria da Relatividade ou o resultado do trabalho dos bandeirantes, que ajudaram a construir o Brasil que temos hoje.

Também não dá pra comparar o trabalho de Einstein com o de Olavo de Carvalho, concordo com os leitores que, se chegaram até aqui, estão xingando o colunista. Peço porém que, antes de qualquer coisa, procurem ler o que ele escreveu fora das redes sociais, é um exercício interessante.

Nem que seja para odiar com propriedade.

É preciso, ao menos, ler sua obra mais conhecida: O Jardim das Aflições, no qual faz um diagnóstico do Ocidente. Você pode concordar ou não. Há alguns equívocos e falsas analogias mascaradas com um véu de intelectualidade cínico. Mas, é uma obra importante e um ótimo retrato da história e dos caminhos percorridos pelos ocidentais.

A questão, porém, não é sobre quem o odeia e comemora sua morte.

Até a própria filha dele disse "não conseguir ficar triste".

A preocupação do mundo deveria estar voltada para quem o idolatra, sem nunca ter lido um livro. Para quem o admira pela verborragia na internet, pelas contradições e achaques pessoais e públicos que promovia.

Os grandes realizadores também podem ser imbecis. Esse era o caso de Olavo, como o de tantos outros (talvez mais discretos) que se costuma admirar.

O problema, muito sério, é admirá-los pela imbecilidade e não pelas realizações.

É como acreditar que Einstein ser racista é o maior mérito do cientista. É como saudar os bandeirantes pelos índios escravizados, ao invés de apenas reconhecer o resultado que trouxeram.

E esse, talvez, seja um dos maiores problemas do bolsonarismo.

Separar o homem de sua obra é muito importante. E, daí, é necessário avaliar a obra.

Idolatrar o homem é uma estupidez grotesca.

Bolsonaro, orientado pelos filhos, usou Olavo de Carvalho (que se aproveitou disso para vender livros e "cursos" pela internet). De maneira esperta, usaram os livros para atrair gente que conseguia absorver e interpretar conteúdo. Geralmente, professores conservadores, ressentidos, que costumam ser perseguidos nas universidades por não se encaixarem no espectro de Esquerda aceitável a esses lugares.

Por outro lado, pegaram as ideias estapafúrdias e carregadas de preconceito e ódio que Olavo despejava nas redes para atrair um público mais amplo e mais ignorante.

Dentro do governo, esses dois perfis se misturaram.

Era como um caldeirão caótico. Intelectuais falando imbecilidades para ganhar seguidores. Imbecis falando sobre assuntos dos quais não entendiam absolutamente nada para tentar provar que nunca foram imbecis.

Os últimos três, quase quatro, anos foram construídos servindo essa feijoada intragável que azedou faz tempo.

E, talvez, seja descartada completamente agora.

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