Cena Política

Ciro Gomes tenta acender uma vela no vácuo, mas está olhando para o futuro

Manifesto que o pedetista fez nesta segunda-feira foi um recado interno. Mas ele está de olho no futuro do bolsonarismo.

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Igor Maciel

Publicado em 26/09/2022 às 11:25 | Atualizado em 26/09/2022 às 11:38
Análise
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O “Manifesto à nação”, que Ciro Gomes (PDT) anunciou com ares de coisa importantíssima, era apenas uma extensão do discurso que o candidato já faz há bastante tempo.

O discurso é de que Lula (PT) e Bolsonaro (PL) são responsáveis um pelo outro e sobrevivem bebendo um do outro. Tudo verdade. Tudo a mais pura verdade. Mas, é como se Ciro quisesse jogar um jogo de tabuleiro, na Arena Pernambuco, sentado num campo lamacento, durante uma chuva forte, com a torcida do Sport e do Santa Cruz querendo ver futebol. O problema é “apenas” o estádio, a torcida, o campo e o tempo.

E aqui nem cabe argumentar sobre a figura de Ciro, que também não é exemplo de quem pratica qualquer jogo sem chutar o tabuleiro quando é contrariado.

O pedetista tenta desesperadamente acender uma vela no vácuo absoluto. E não existe fogo sem oxigênio. Então, qual o objetivo de Ciro? Depende do momento.

No pronunciamento, claramente havia um recado aos próprios pedetistas que, recentemente, começaram a pressioná-lo para que desistisse da candidatura e ajudasse Lula. Não apenas pelo texto que leu, dentro de uma estética brizolista de estadismo personalista e piegas, mas também pelas palavras de ordem, bem ensaiadas e gritadas pelos apoiadores ao redor: “Brasil, resiste. Ciro não desiste”.

Nesse pronunciamento, Ciro estava dizendo que o PDT terá que engolir ele até que a Justiça Eleitoral, no fim da eleição do próximo domingo, afirme que ele é descartável para Lupi. Carlos Lupi, que preside nacionalmente o PDT, aliás, viu sua estratégia dar errado. Ele sempre achou que Ciro não tinha chances, mas insistiu porque esperava ser uma terceira força importante, com até 20% no primeiro turno, para ser a “noiva” do segundo turno e conquistar o ministério do Trabalho com os petistas, o lugar para onde sonha em voltar.

Aos filiados, esta semana, Lupi disse que não desistirá de Ciro, porque se comprometeu com ele. Mas que estão todos liberados para apoiar Lula se quiserem. A esperança do ministério agora é pequena. Lula corre o risco de vencer a disputa no primeiro turno e, se for ao segundo, Lupi não terá nem 10% para negociar.

Bolsociro?

Mas, fora desse manifesto, foi bem percebido nos últimos dias o movimento de Ciro contra Lula, aliviando a pressão sobre Bolsonaro. Logo no início da campanha, uma das críticas que mais se fazia à estratégia do pedetista era ficar batendo nos dois, ao invés de escolher um para tentar atrair a votação do outro. Se tivesse batido em Lula desde o início, poderia ter atraído bolsonaristas. Se batesse em Bolsonaro, atrairia votos da esquerda.

O risco sempre foi grande, porque espancando um lado havia sempre o perigo da falta de identificação com o outro ou da dureza da transferência. Quem garantia que os eleitores de Lula veriam Ciro como alternativa em volume suficiente para fazer ele ultrapassar Bolsonaro e, do outro lado, quem garante que os bolsonaristas iriam confiar num candidato que nas últimas décadas se identificou com a esquerda?

Sem opção, o cearense ficou batendo nos dois lados e aguardando os acontecimentos para não perder seu próprio patrimônio. Agora, quando viu que estava perdendo todo o voto da esquerda, resolveu ir pro tudo ou nada. O voto lulista é algo que ele considera já ter perdido, então é melhor bater em Lula e tentar atrair votos da direita.

Ao contrário do que parece, Ciro sabe muito bem o que estava fazendo e não há qualquer loucura nisso.

Ele está fazendo o que é possível no ponto em que chegou da campanha. Se conseguir substituir com bolsonaristas menos fiéis ao presidente e indecisos de direita os votos que está perdendo para Lula, pode chegar vivo ao próximo domingo. E vivo, entenda-se, não é para vencer as eleições, mas para continuar sendo um ator público e lucrar com o desgaste dos outros dois.

EUA, França e Alemanha

Lembremos o papel dos EUA na Primeira Guerra Mundial. O conflito deixou a Europa tão destruída que fez com que o mundo ocidental mudasse de líder. Ambas, França e a Alemanha, que praticamente dominavam o planeta na época, perderam o lugar para os americanos, mesmo com a vitória francesa. Numa guerra polarizada, lucrar com o desgaste dos dois também é estratégia.

Voltando ao Brasil de hoje, o voto de direita que se fingiu não existir desde o fim do regime militar, passa de um terço do eleitorado, tornando-se tão forte quanto o petismo.

Com a derrota, caso ela aconteça, Bolsonaro deve ser reduzido a um décimo eleitoral daquilo que tem hoje.

Lula, mesmo vencendo, além do desgaste eleitoral atual, está com idade avançada e terá que iniciar uma renovação em seu campo.

Ciro está de olho nisso. Quando o mar pegar fogo, ele pretende comer peixe assado.

Agregador de pesquisas JC

Confira abaixo os números do agregador de pesquisas do JC com a Oddspointer:

Made with Flourish

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