É claro que o depoimento de Bolsonaro (PL) à Polícia Federal chama atenção e deve ser observado. Mas a realidade da vida está, quase sempre, nas entrelinhas e essas têm surpreendido os que esperavam alguma força popular mais ativa do ex-presidente no Brasil, desde que voltou.
Agora fica mais claro o motivo de o governo Lula (PT) ter desconversando quando o governo dos EUA se movimentou no sentido de deportar Bolsonaro de lá, caso ele fosse ser preso aqui. Rapidamente, também nos meios jurídicos , falou-se que não havia possibilidade de prisão nem tão cedo. Ninguém queria dar holofote para quem já o tinha perdido. Ontem ,numa reunião com jornalistas, o petista chegou a dizer que não ia mais dizer o nome dos adversários, pra não dar publicidade a eles, referindo-se a Sergio Moro (UB) e Bolsonaro.
Desde que o ex-presidente voltou ao Brasil, a rotina de todos os eventos com participação dele tem forte esquema de segurança, expectativa de grande público de apoiadores nas ruas e, no fim, nem sinal de multidão.
Foi assim no aeroporto (que, é verdade, chegou a ter o acesso bloqueado), foi assim na recepção na sede do PL e foi assim no dia do depoimento que Bolsonaro prestou à PF. Os apoiadores não apareceram no volume que se esperava.
De um lado, é preciso reconhecer, criou-se um clima de medo com as prisões após os eventos do 8 de janeiro. Há quem acredite que se aparecer para apoiar Bolsonaro corre o risco de ser preso também.
Mas, o principal motivo para a ausência de povo nas passagens bolsonaristas é a falta de perspectiva de poder. Na escala de motivos que fazem uma pessoa idolatrar a outra, em primeiro lugar está a “fascinação pessoal”. Esta é quase doentia. Depois vem a “admiração por afinidade”, quando existe identificação com o que o ídolo defende. Os mais radicais estão inseridos nessas duas classificações. Na sequência está a “admiração por reconhecimento”, em que o trabalho do sujeito é apreciado. Aqui estão os mais sinceros e também os mais sadios admiradores. Estes são raros.
Depois disso, é que vêm toda classe de falsidade e interesse travestidos de admiração. E aí você tem os que se aproximam pela “expectativa de poder” e pelo “poder em exercício”.
Acontece com Bolsonaro, com Lula, governadores, prefeitos, gestores públicos, privados e com todos os que estão em posição hierárquica superior. Quando você está no poder, conta com todos esses grupos reunidos. Quando perde a posição que o fazia ser seguido, ocorre um fenômeno de esvaziamento.
Esse esvaziamento se dá de trás pra frente. Quando perde o poder, a maioria vai embora. Mas, você mantém os outros que acreditam numa reviravolta. Quando os manifestantes foram retirados da frente dos quartéis e o próprio presidente não se manifestou, em outro país, à distância, a expectativa de poder também diminuiu. E o abandono seguiu para outro nível.
Quando se está fora do poder fica mais difícil mobilizar a opinião pública e começa a acontecer uma desconstrução de imagem. Essa desconstrução afasta os apoiadores que o admiravam pelo reconhecimento. Com algumas exceções, sobram apenas os mais radicais.
Bolsonaro acabou, como se chegou a falar durante a pandemia, bem antes de ele disputar a reeleição e quase vencer o PT? A resposta é não.
Um pouco de história política e qualquer um vai entender que decretar o fim de um político no Brasil é temerário. Lula chegou a ser preso, passou por todo esse processo pelo qual passa o bolsonarismo agora, e as circunstâncias, incluídas aí às jurídicas aceitáveis ou não, o colocaram de volta no Palácio do Planalto. Quem dirá que algo não pode, também, acontecer com o ex-presidente?
É claro que Lula dependeu da estrutura partidária para se reerguer. Lula é dono de um partido e Bolsonaro não. O dono do partido de Bolsonaro, aliás, quer ele para estátua, angariando votos para deputados e prefeitos, mas sem aparecer muito e sem abrir muito a boca para não complicar as coisas.
Valdemar Costa Neto (PL), inclusive, só está com ele porque ainda é um remanescente do grupo que tem alguma expectativa de poder. Não que ele ache que Bolsonaro vai se eleger no futuro para algo, mas ele pode ser um bom cabo eleitoral. Então é bom tê-lo por ali.
Um bolsonarista pernambucano, desses mais sensatos, chegou a fazer uma analogia sobre a relação Valdemar/Bolsonaro numa conversa com a coluna. "É a águia e o ogro", brincou. O que mais pode atrapalhar ou garantir a sobrevivência política de Bolsonaro é o fator Valdemar.
E, entre os bolsonaristas, ninguém confia muito nele.
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