Cena Política

Projeto de Lei das Fake News não tem nada a ver com liberdade de expressão

Confira a coluna Cena Política desta quarta-feira (26)

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Igor Maciel

Publicado em 26/04/2023 às 0:01
Análise
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Não tem santo nessa discussão sobre regulamentar as redes sociais. O Projeto de Lei das Fake News, como está sendo chamado, é do interesse de todos, mas ninguém está muito interessado somente em melhorar o ambiente da internet brasileira, como vem sendo dito.

Para começo de conversa, o projeto não surgiu agora, no governo Lula (PT), porque “os petistas decidiram salvar o mundo”. Ele é de 2020 e institui a Lei Brasileira de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet.

A tramitação foi arrastada porque não havia interesse em mexer com esse vespeiro durante o governo Bolsonaro, sem que se soubesse o quanto essa regulamentação poderia mudar a estratégia eleitoral para 2022. Os petistas, inclusive, não queriam.

O PT se preparou para lutar contra Bolsonaro usando as armas de desinformação que estavam postas na época. Imagine um time que joga uma final em dois jogos e perde a primeira partida por um gol feito de cabeça. O derrotado resolve treinar melhor as cabeçadas e o jogo aéreo, mas dias antes da finalíssima, as regras do campeonato mudam e o jogo aéreo é proibido.

Se os petistas estavam aprendendo a usar desinformação em massa também, incluindo o emprego do deputado André Janones (Avante), não era interesse de ninguém mudar a regra antes da eleição. Logo após o resultado eleitoral, com a vitória de Lula aí sim, o PL 2630/20 passou a ser “urgente”.

É verdade que os atos golpistas de 8/1 aceleraram o processo e deram ainda mais credibilidade aos argumentos governistas de que algo precisava ser feito.

Nesse embate, o governo Lula é a favor da regulamentação das redes sociais e a oposição não. Batalha sobre “liberdade de expressão”? Esse argumento heróico pega tão bem que chega a ser romântico.

E é só isso: romântico.

Não tem nada de verdade em governo ou oposição dizerem que estão defendendo a liberdade de expressão. As redes sociais são armas eleitorais que se mostraram eficazes, principalmente no Brasil. Mas há algo que deve ser observado: o uso dessas redes é melhor para quem está na oposição. A estrutura governamental é burocrática demais para usar essas plataformas na hora de fazer campanha eleitoral.

E, caso você seja romântico: sim, governos usam dinheiro público para fazer campanha eleitoral o tempo todo. Por isso, quem está no poder sempre tem mais vantagem na reeleição.

Se você é presidente e está em campanha, pode usar a estrutura governamental como base, mas aplicar essa estrutura na internet é mais complicado. Você não pode pegar dinheiro público e impulsionar propaganda do governo com informações falsas. Já se você estiver na oposição, tudo pode ser feito com menos burocracia e menos regulamentação. A oposição tem vantagem quando a internet é fundada em balbúrdia.

O interesse do governo Lula é deixar a internet tão burocrática para impulsionar publicações que a oposição tenha as mesmas dificuldades que o governo na hora de usar as redes para fazer política.

Mas e as plataformas, ao menos, estão preocupadas com a liberdade de expressão? Claro que não.

As plataformas, Google, Meta e todas as outras, estão preocupadas com a receita e a despesa. Nenhuma delas admite, mas o faturamento com conteúdos considerados como de desinformação é alto, principalmente no YouTube que virou fonte de renda para quem quer chamar a atenção com conteúdos que vão desde golpismo antidemocrático até curas milagrosas e terraplanismo. Tudo pago em dólar pela empresa.

Segundo o Projeto de Lei, as corporações serão severamente punidas quando publicarem conteúdos de desinformação com impulsionamento ou remunerados de alguma maneira. Significa que antes de aceitarem um conteúdo pago ou permitirem canais com maluquices, criminosas ou não, as plataformas terão que submeter aquilo a uma avaliação bem mais criteriosa do que a que é feita hoje e isso implica um custo maior com funcionários.

E há um problema adjacente: em culturas políticas muito polarizadas, algo comum hoje, é muito difícil garantir que a avaliação do avaliador será isenta. O risco de deixar passar coisas que podem render multas é grande. E as punições financeiras são muito altas, podendo chegar a 10% do faturamento anual da empresa no país.

Para ter uma ideia, a Google (Alphabet) chega a faturar R$ 100 bilhões por ano no Brasil. Imagine pagar R$ 10 bilhões só de multa.

A tendência, só como exemplo, é que as plataformas evitem severamente os conteúdos políticos, por precaução. Há quem acredite, também, que as empresas devem trabalhar mais de perto com corporações jornalísticas sérias, com credibilidade, tendo que remunerá-las melhor por isso.

Aliás, se as plataformas tecnológicas quiserem descobrir como é viver tendo que ser responsável pelo que é publicado em seus espaços, prestando contas à Justiça sempre que divulga alguma bobagem, basta perguntar a quem faz jornalismo no Brasil, há décadas e décadas.

Ter responsabilidade com o que é publicado não é nada de outro mundo, mas jornalismo é algo caro e com retorno pequeno.

Se o PL for aprovado mesmo, Mark Zuckerberg e seus colegas vão descobrir isso.

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