O resultado do julgamento no TSE que determinou a inelegibilidade de Jair Bolsonaro (PL) nada mais foi do que a demonstração de força de uma instituição dentro de um Estado Democrático de Direito. As instituições funcionam no Brasil e isso merece aplausos.
A mágica da democracia é que ela sempre vai deixar alguém insatisfeito, mas a satisfação da maioria permite sua manutenção. Foi a democracia que elegeu Bolsonaro e o deixou inelegível.
Foi a democracia que elegeu o atual presidente, Lula (PT), por três vezes.
A democracia impediu dois presidentes nesta Nova República.
A democracia garante, desde o plebiscito, ainda hoje, que estejamos num regime presidencialista, por mais lento que ele seja em relação à realidade.
Democracia passa pelo fortalecimento real das instituições, para que elas atendam, cada vez mais, ao interesse público comum, embora ainda estejamos engatinhando nesse caminho.
Democracia é algo muito sério, porque nenhum outro regime possibilitaria a um tribunal formado por sete indivíduos dizer com tanta autoridade que um ex-presidente da República, que saiu da última eleição com metade de todos os votos do país, não será candidato pelos próximos oito anos, por causa de uma reunião em que usou uma TV pública para atacar o sistema eleitoral brasileiro sem provas.
O que os ministros mais argumentaram para condenar o ex-presidente foi que, estando no cargo que ocupava, ele precisava ter noção da responsabilidade que suas palavras carregam e das consequências que elas alcançam. Presidente não dá entrevista, presidente não comenta nada. Tudo o que um Presidente da República fala é "pronunciamento", é oficial, porque ele não é uma pessoa. Presidente é uma instituição.
E é por isso que um presidente não pode abrir a boca para dizer que "a democracia é relativa", como fez Lula esta semana.
Não pode porque, para além do absurdo, é mentira. Presidente não pode mentir sobre nada. Muito menos sobre democracia.
A democracia é tão importante que até os ditadores gostam de fingir que são democratas. E contam com o apoio de quem relativiza esse fingimento.
Nenhum ditador quer ser o líder de uma ditadura. Ele sempre vai buscar maquiar sua atuação autoritária.
A China se chama República Democrática da China. No mesmo continente você tem a República Democrática Popular da Coreia, que nós conhecemos como Coreia do Norte. Na África você tem a República Democrática do Congo, país que tem um dos piores índices de democracia no mundo, estando na posição 155 entre 167 países.
São títulos, nomes que tremulam em brasões oficiais para fingir que as instituições funcionam com alguma liberdade nesses países.
É assim: eles fingem que são democráticos e as pessoas sensatas e intelectualmente honestas se preocupam em não concordar com o fingimento para não legitimar suas atrocidades.
E não é discordar para ferir a autodeterminação dos povos, já usada por Lula para defender a Nicarágua em outro momento. É simplesmente uma questão de honestidade intelectual e integridade de caráter. É também a necessidade de deixar claro que o tipo de comportamento praticado pelos líderes desses países é inaceitável.
Para levar a sério e tratar como algo relativo uma China, uma Venezuela ou uma Rússia se dizendo democráticas é preciso uma dose de hipocrisia e desonestidade intelectual gigantescas.
Para defender a Venezuela, Lula afirmou que a democracia é relativa. Mas ele deveria observar que as “democracias relativas” carregam coincidências preocupantes.
É uma coincidência enorme que a imprensa seja perseguida em todos esses países.
Os “acidentes” que acontecem na Rússia com opositores de Putin, por exemplo, são coincidências intrigantes. Toda semana, alguém que falou mal do presidente russo come algo estragado ou cai da varanda de um edifício e morre.
Na Venezuela, alvo da declaração de Lula, opositores de Nicolás Maduro estão presos com pouco acesso à água e comida, em instituições penais irregulares, sem acompanhamento de órgãos de defesa dos Direitos Humanos, apenas por terem contestado o regime. São algumas centenas de coincidências atrás das grades venezuelanas em condições desumanas.
É assim também na Rússia, é assim na China, é assim na Coreia do Norte, é assim em vários países oficialmente democráticos no continente africano. É assim em Cuba e Nicarágua. As coincidências entre as democracias relativas que Lula costuma defender são incríveis e assustadoras.
Deus nos livre de virarmos uma “democracia relativa”.