Cena Política

O brasileiro voltou a se fingir de morto enquanto Arthur Lira dança ao som de Safadão

Confira a coluna Cena Política desta quarta-feira (12)

Igor Maciel
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Igor Maciel
Publicado em 11/07/2023 às 20:00
MARINA RAMOS / CÂMARA DOS DEPUTADOS
Arthur Lira (PP-AL) - FOTO: MARINA RAMOS / CÂMARA DOS DEPUTADOS

A tanatose ou imobilidade tônica é a capacidade que alguns animais possuem de se fingir de mortos quando se deparam com algum predador que eles não conseguem enfrentar sozinhos. Geralmente é uma estratégia de defesa, mas também serve para caçar.

O brasileiro comum, aquele que trabalha para sobreviver e não tem tempo a perder como "torcedor de político", espera ser respeitado, ao menos pelo esforço que faz para pagar suas contas. Ele não se importa com os impostos que paga, desde que tenha o mínimo de retorno desse custo. E ele não tem. Mas, vai se fingindo de morto.

O brasileiro é parte integrante de um organismo com mais de 200 milhões de cidadãos sendo desrespeitados pelos políticos e por outros agentes do poder, com certa constância, e conformados a aguentar todo tipo de injustiça diária. O brasileiro comum não se sente empoderado o suficiente para se revoltar. Ele reclama, mas não se revolta com frequência. Ultimamente, quando quer se exceder um pouco, indo à público de alguma maneira, limita-se às redes sociais. Ele, no geral, não se acha forte o suficiente para ir além do verbo, porque sabe que pode acabar sendo trucidado pelo sistema.

O brasileiro passa a maior parte do tempo se fingindo de morto como parte de sua estratégia de vida. Há animais que, ao se deparar com um predador mais forte que eles, espirram sangue, ficam moles e conseguem fazer o corpo esfriar. Alguns ficam assim por horas e até secretam odores de putrefação para não serem devorados. Isso, porém, tem limite.

O brasileiro se finge de morto muito bem, mas vai acumulando suas frustrações e um dia se levanta. Importante lembrar: em 2013, uma sequência de frustrações explodiu com revolta nas ruas e protestos pelas principais cidades do país.

Quem viveu aquela época deve lembrar que primeiro aconteceu o grito, como performance puramente muscular, para só depois se ouviu alguma voz. No começo ninguém sabia quais eram as pautas das manifestações. Chegaram às ruas e depois as frustrações foram se encontrando com a revolta.

O maior erro que os políticos daquela época cometeram foi o de achar o povo estava adormecido e relaxar, acreditando na passividade dos brasileiros que nunca reagia a nada. Um absurdo foi se somando ao outro, com Mensalão, Petrolão, dinheiro em cuecas, escândalos, tráfico de influência como rotina.

E os políticos confiando no conceito do brasileiro como Homem Cordial, traçado por Sérgio Buarque de Holanda nos anos 1930.

A ideia de que o brasileiro é cordial no sentido de ser passivo e submisso, como muitos acreditam, talvez seja a origem dessa confusão. Buarque nunca disse que o brasileiro era passivo e o "cordial" que ele usa em seus livros diz respeito à raiz latina “cordalis”, que significa "relativo ao coração".

O brasileiro, segundo ele, age com a emoção, e não com a razão. Ele não é cordial porque é pacífico, mas porque age primeiro e deixa para pensar depois. O brasileiro explode e costuma ser bem destrutivo quando é muito provocado. De "morto" se transforma rápido em avalanche.

Depois dessa revolta, o sistema entendeu e tratou de ceder em algumas coisas, fingiu que combatia a corrupção, desmandos foram suprimidos por um tempo e até o tráfico de influência comum na política ficou menos evidente. Teve até ex-presidente preso.

E o “gigante” que havia acordado voltou a se fingir de morto. Acalmou-se. Até quando? 

A pergunta é importante, porque os políticos estão, outra vez, aliviados em suas pautas privadas com todo o luxo que pensam merecer, os privilégios que acreditam ter direito e as atitudes que acreditam ser normais, mesmo que beirem o disparate em relação à realidade dos brasileiros.

Nos últimos anos retornou o tráfico de influência descarado, a distribuição partidária de verbas públicas sem controle e as demonstrações de privilégios luxuosos como prerrogativas de mandatos.

E é por isso que o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), com o nome envolvido em suspeitas de corrupção, depois de ter conseguido se livrar das investigações após a decisão de um ministro do STF com quem comemorou o próprio aniversário em Lisboa recentemente, criou um recesso informal na Câmara dos Deputados esta semana e viajou para se divertir num cruzeiro temático do cantor Wesley Safadão, passando pelas Bahamas.

As pautas importantes para os brasileiros, como a Lei de Diretrizes Orçamentárias e outras questões terão que esperar que o mar traga o deputado de volta.

O brasileiro se finge de morto, até levantar e reagir de maneira quase sempre irracional às frustrações. Por vezes, vai às ruas em protesto, por vezes vota no candidato mais nonsense que se apresentar, por pirraça.

Lira e seus amigos voltaram a esticar a corda, despreocupados. O boleto chega no futuro e não chega em mar tranquilo.

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