Cena Política

A relação entre Haddad e Arthur Lira precisa ser replicada fora de Brasília

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Igor Maciel

Publicado em 23/11/2023 às 20:00
Análise
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Todo governo intransigente precisa de um Fernando Haddad (PT). E todo Legislativo emergente precisa ter um Arthur Lira (PP).

Entendam: os dois têm muitos defeitos e são figuras que ninguém precisa querer levar pra casa e oferecer um jantar, mas ambos assumiram papéis importantes na relação entre os dois poderes da República e os parâmetros dessas posturas deveriam ser replicados pelo Brasil.

Muita grana

Há um movimento nacional de autonomia do Legislativo, dentro do qual os parlamentares perceberam que podem movimentar muito mais dinheiro do que estavam acostumados e começam a exigir um lugar cada vez mais alto nas decisões do Executivo.

O montante de dinheiro que passa pelas canetas dos deputados federais, por exemplo, é absurdo.

Bom ser “do contra”

Em 2022, com “orçamento secreto” e outras conquistas do centrão sobre o governo Bolsonaro, alguns parlamentares chegaram a indicar mais de R$ 100 milhões em emendas. Como boa parte dessas emendas é impositiva, ninguém precisa pedir nada ao Executivo.

O deputado brigar com presidente e governador passou a ser um bom negócio. Melhor ainda é dizer que é “independente”.

Dinheiro garantido

Antes, ser de oposição ou “independente” tinha um grande ônus porque você teria mais dificuldade para conseguir dinheiro e irrigar as bases eleitorais. Ser oposição era ser minoria, ficar com menos verba para buscar votos e ter dificuldade até na fila do refeitório.

Agora, você pode reclamar do governo, pode dar as costas às pautas que não interessam a sua bolha eleitoral e vai receber emendas altas do mesmo jeito, por imposição.

Postes e cachorros

Por isso temos a impressão de que os postes andam urinando nos cachorros. O sujeito é eleito presidente ou governador e a impressão que se tem é que o grupo mais forte no Legislativo é o de quem perdeu a eleição.

Não é uma análise aleatória. Observe o Brasil, com bolsonaristas fazendo mais barulho do que governistas nas duas casas do Congresso.

Observe também a Assembleia Legislativa em Pernambuco, em que o PSB ainda parece ser o dono da Assembleia, mesmo tendo ficado em quarto lugar na eleição.

Independência com…

É nesse ambiente que o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, e o presidente da Câmara, Arthur Lira, construíram com êxito, até agora, uma "relação possível".

Primeiro, Lira identificou junto aos seus pares os limites que não poderiam ser ultrapassados.

Por exemplo, projetos do governo para melhorar a popularidade de Lula, mas que atrapalhem ou coloquem em risco a economia do país, chegam à Câmara quase mortos.

As medidas que beneficiem o setor produtivo, estas tem lugar garantido, porque geram empregos e ajudam a economia.

…previsibilidade

Isso ficou muito claro com a desoneração da folha salarial, prorrogada pelo Congresso há algumas semanas. O aviso foi dado logo após a votação. "Se houver veto do Executivo, o veto vai ser derrubado".

O Congresso está exercendo sua independência com limites muito claros, indicando até onde pode atender o Executivo e a partir de onde a discussão será infrutífera.

Previsibilidade é a chave de qualquer relação madura. Lira pode não ser exemplo em muita coisa. Nisso, ele é. Você sabe o que esperar dele, mesmo não gostando do resultado.

Briga com o chefe

E o resultado fica mais simples porque, do outro lado, Haddad resolveu não ser apenas a pessoa que conversa unicamente com sua base, com o seu partido, em busca de suas aprovações, mas alguém que é capaz de acreditar nas próprias ideias e respeita os acordos que faz com Lira, e com o Congresso ampliado, com todos os partidos, ao ponto de brigar até com o próprio chefe.

Fez isso com a reforma tributária, fez isso com a meta fiscal. Foi preciso brigar com Lula, mas os acordos que Haddad fez com Lira, foram mantidos.

Imagine

E Haddad nem é o responsável pela articulação. Poderia ficar encastelado, lamentando as dificuldades e reclamando da vida. Ao invés disso, arregaça as mangas e vai defender suas pautas, mesmo que isso o coloque em atrito com o próprio partido e com o seu grupo político.

Se a articulação política na área econômica dependesse de Alexandre Padilha (PT), o ministro das Relações Institucionais, que tem medo dos colegas petistas e de chatear Lula, a Câmara Federal estaria parecendo Pernambuco.

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