A contribuição nefasta da reeleição para o patrimonialismo brasileiro
Confira a coluna Cena Política deste domingo (28)
Em uma mesma semana, Lula tenta forçar uma empresa como a Vale a aceitar sua indicação para CEO, descobre-se que Bolsonaro usava a estrutura da Abin para investigar sócios do filho em negócios privados, Lula e Janja recebem o “empréstimo” de um veículo da montadora chinesa BYD, usam e até fazem vídeos para as redes sociais dirigindo carro da empresa.
Sem falar na pressão que o PT faz, diariamente, para mudar os rumos da gestão, gastar mais, e fortalecer o próprio partido nas eleições municipais, mesmo que isso prejudique a saúde fiscal do país.
Tudo isso é reflexo de um patrimonialismo do qual não conseguimos nos livrar, mesmo que o regime monárquico, no qual os bens públicos e os do imperador ou rei costumam se confundir, tenha terminado há mais de 130 anos nestas terras.
Jardins…
Nossos gestores seguem misturando o público e o privado da pior forma possível. É algo tão infestado na cultura que se manifesta até nas coisas mais bobas, como quando dona Marisa Letícia, então primeira-dama, mandou fazer uma grande estrela do PT no jardim do Palácio da Alvorada e precisou ser avisada que aquele era um espaço público.
…e laguinhos
Ou mesmo em coisas quase ridículas, como quando dona Michelle Bolsonaro teria mandado juntar as moedas que as pessoas jogavam no lago do Palácio do Planalto antes de deixarem o governo. Depois ela explicou, dizendo que as moedas foram doadas a uma instituição religiosa. Ela apresentou um recibo preenchido a caneta no valor de R$ 2.213,55.
É público
Mesmo que muita gente não tenha acreditado, sendo ou não verdade, o que chama atenção é ela acreditar que poderia juntar as moedas do lago e doar para a instituição de preferência dela, sem qualquer controle disso.
O caso dos presentes recebidos por Bolsonaro durante o governo é outro problema.
O problema do patrimonialismo é que ele está tão infestado na rotina da política brasileira que até com boas intenções as pessoas erram.
Corrupção
E, até aqui, falamos apenas dos casos mais pueris. Quando chega na corrupção mais pesada, dos bilhões e das vantagens ilícitas nas relações de poder, é que as consequências negativas se expandem.
Público…
O patrimonialismo fortalecido pela pouca alternância de poder que experimentamos nas últimas décadas é um dos principais motivos para que nesta terra fértil, onde poetas diriam que tudo dá, qualquer coisa boa nasça frágil.
O Brasil poderoso ainda não conseguiu se desligar de alguns vícios da monarquia e, desde 1997, há algo que piorou isso: a reeleição.
…e privado
Explico: quanto menor e menos frequente é a variação dos nomes no poder, mais o fantasma de um absolutismo patrimonialista se esgueira pelos corredores do desenvolvimento. Quanto mais se experimenta o poder, maior é o costume em se utilizar do poder.
É quando você esquece que o jardim e as moedas do laguinho não são coisa sua. É quando bilhões públicos saem dos cofres em transações com benefício privado. E o sujeito acha que não fez nada demais. É preciso haver limites. E a reeleição não ajuda.
Alternância
A força de uma democracia é medida por vários fatores e um deles, muito importante, é a quantidade de transições realizadas com sucesso entre governantes das mais diversas origens ideológicas. Isso oxigena a gestão, anima a energia democrática e a variação ajuda o eleitor a julgar melhor o que é bom e o que ruim, de acordo com renovadas experiências, não com discurso falacioso disfarçado de marketing.
E aí?
Se o objetivo dos que hoje ocupam o poder é fortalecer a democracia, como foi tão propagado em 2022, ter um presidente por 16 anos no mesmo posto não é bom exemplo. Seria bom pensar nisso antes de 2026. E, para depois, acabar com a reeleição.