O respeito institucional é uma exigência republicana
Confira a coluna Cena Política desta sexta-feira (2)
A Bíblia diz que “a boca fala do que está no coração”. Na época não existiam microfones. Se houvesse, o Evangelho Segundo Mateus diria que “depende de o operador de áudio ter cortado o som ou não”.
Fazia poucos minutos que o presidente da Assembleia Legislativa de Pernambuco havia feito um discurso dizendo que aquela Casa é “território do diálogo e do entendimento”. Disse ainda que os deputados “seguem mobilizados em favor de uma sociedade justa, igualitária e solidária". Mas, assim que o evento terminou, após o discurso da governadora Raquel Lyra (PSDB), por descuido de alguém que esqueceu o microfone aberto, o coração do presidente parece não ter se contido e foi acompanhado pela boca. "E o discurso dela, eu entendi nada. Conversou merda demais e não disse nada", afirmou.
E lá se foram o diálogo e o entendimento, recém exaltados, agora espancados.
Respeito
O respeito institucional é uma exigência republicana e só o ignora aqueles que não conseguem se adaptar à democracia. Mas o problema não é somente esse. A origem das falas vazadas diz respeito não apenas à Raquel, mas também à líder da oposição, Dani Portela (PSOL), “acusada” junto à governadora, por ter “falado demais”.
Gênero?
Duas mulheres em posição de destaque, com protagonismo, mesmo que em posições opostas, parecem ter incomodado os participantes da conversa vazada, emendados pelo presidente da Casa. Para além do desrespeito institucional parece haver um elemento de intolerância política por questões de gênero, o que amplia o absurdo das declarações.
Resposta
A governadora respondeu. Lamentou as falas no que classificou como “violência política”. Disse ainda que “o que se passou, às vezes é em gestos, em atitudes, em ações e hoje foi em voz”, indicando que as atitudes do presidente da Alepe contra ela já vêm ocorrendo e agora foram verbalizadas. “Lamento porque isso não está à altura do que Pernambuco representa, um diálogo fora de propósito, e revela o que uma mulher sofre nos espaços de poder”, completou.
Reações
Chamou a atenção a fala agressiva, chamou atenção a resposta, em forma de desabafo, chamou atenção a nota que o PSDB Nacional (partido de Raquel e de Álvaro) lançou em solidariedade a ela. No fim da tarde, a deputada Débora Almeida (PSDB) também repudiou a fala do presidente.
Silêncio 1
Mas chamou atenção também o silêncio dos outros deputados e deputadas da Alepe. Durante a tarde após o vazamento do áudio, no grupo de parlamentares da Alepe no whatsapp, podia-se “ouvir um alfinete”, um silêncio tomou conta do canal pelo qual os deputados estaduais se comunicam, ninguém falava nada.
Silêncio 2
A própria Dani Portela, citada nos áudios, não se pronunciou oficialmente. De repente, de todos os deputados tão combativos com as injustiças e solidários, nenhum tinha opinião alguma sobre nada? Curioso.
Esforço sabotado
A quinta-feira (1º) tinha tudo para ser um dia de recomeço nas relações republicanas entre os poderes de Pernambuco. A governadora fez o seu gesto, levou toda a equipe, todos os secretários e os sentou no plenário para acompanhar a reabertura dos trabalhos da Casa. Pouca coisa, republicana, pode ser maior indicativo de diálogo do que isso.
A sinalização para o secretariado e para os deputados foi clara: unidos podemos fazer mais por Pernambuco. Trabalhem juntos. O grupo foi bem recebido até pela oposição, demonstrando que havia disposição para o fim da animosidade. Aí veio a fala do presidente e sabotou a paz.
Outro trecho
Entre os integrantes do governo ficou uma impressão ruim não apenas pela fala de baixo calão, mas por outra frase dita pelo presidente Álvaro Porto durante o diálogo. Em certo ponto, alguém fala sobre votação de projetos e o presidente responde que “segunda-feira vai botar pra moer”.
Pelo tom da conversa, governistas acreditam que ele pretende começar a criar projetos que travem a gestão para prejudicar o governo. Se for isso, será ainda pior para Pernambuco. Pior do que já está sendo.