Cena Política

Populistas brasileiros e o jeito errado de usar o povo para mostrar sua força

Confira a coluna Cena Política desta quinta-feira (15)

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Cadastrado por

Igor Maciel

Publicado em 14/02/2024 às 20:00
Análise
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A História brasileira tem dois exemplos bem marcantes de figuras no poder que confiaram na própria popularidade para se salvar de seus problemas, políticos ou jurídicos, e terminaram piorando o quadro.

O mais lembrado foi o de Fernando Collor, quando era presidente da República e começou a ser investigado pelo Congresso Nacional. Ao constatar que uma CPI estava sendo instalada para investigar crimes cometidos por ele, Collor fez um pronunciamento, em agosto de 1992, convocando a população para ir às ruas vestindo verde e amarelo em apoio a ele próprio.

Fora Collor

No dia 16 de agosto, data marcada para a convocação do presidente, milhares de pessoas foram às ruas vestidas com camisas pretas, rosto pintado e intenção contrária: os gritos eram de “Fora Collor”.

Políticos que utilizam sua popularidade para colocar a ordem pública como refém de sua própria segurança não são raridade. Populistas fazem isso sempre que estão acuados.

Renúncia

Jânio Quadros é um pouco mais antigo que Collor, e fez algo bem parecido, com uma pequena grande diferença. Jânio vivia tão carregado de empáfia e gravitava numa dimensão tão diversa da realidade que confiava cegamente na própria popularidade e no “amor” que as pessoas tinham por ele ao ponto de renunciar ao mandato. Acreditava que haveria uma revolta popular e ele voltaria ao poder pelos “braços do povo”.

Os relatos de quem o viu embarcando na base aérea de Brasília após a renúncia são constrangedores. Ele olhava pela janela do avião e repetia: “Cadê o povo?”. O povo nunca apareceu.

Lula

Populista igual aos outros personagens aqui descritos, Lula também fez o mesmo quando se viu apertado pelas investigações de corrupção que o levaram à cadeia, mas conquistou outro resultado.

Uma multidão foi ao ABC Paulista e um grande evento foi realizado. Não evitou a prisão, mas o petista criou uma narrativa e construiu a imagem de que estava preso, mas continuava sendo forte politicamente.

Quando a oportunidade foi criada pelo STF, ele voltou a ser presidente.

Como deu certo?

O que diferencia a estratégia de Lula das tentativas de Collor e Jânio? Lula não convocou as pessoas para evitar ser preso e nem para obrigar o mundo político e jurídico a mudar de ideia sobre ele naquele exato momento. Ele não queria ser absolvido e sair ileso, porque já sabia que não conseguiria.

A intenção de Lula era deixar uma porta aberta para o caso de o mundo político e jurídico mudar de opinião sobre ele. Ao brigar com algo que é maior que você, mesmo que você esteja em vantagem momentânea, é preciso sempre deixar uma chance para o entendimento futuro.

Demora, mas reage

Instituições demoram a reagir, mas quando reagem são como cachorros cercados, mordem tudo pela frente e são avassaladoras. O atual presidente só é o atual presidente porque não tentou colocar o povo para pressionar as instituições, mesmo que o povo dele quisesse até atacar as instituições na época. Mostrou força popular, mas manteve as pontes para o futuro.

Foi preso, mas deixou uma base. O destino e o governo esquizofrênico de Bolsonaro fizeram o resto.

Risco

E por que a manifestação do próximo dia 25 de fevereiro convocada por Jair Bolsonaro (PL) pode dar muito errado para ele? Primeiro porque o ex-presidente tem uma competência indiscutível para derrubar pontes e gerar ódio contra ele até entre os que o apoiaram em algum momento.

Como está habituado a abandonar aliados sempre que está apertado por alguma acusação, como já fez com Mauro Cid, Queiroz e, agora, com o general Augusto Heleno, acaba gerando desconfiança.

Depois, só há duas possibilidades: colocar pouca gente nas ruas e ver a manifestação de apoio se transformar em fiasco ou colocar muita gente gritando o seu nome e piorar a reação das instituições pela confusão que irá causar.

Quem financia?

Para colocar muita gente nas ruas, Lula contou com a estrutura partidária milionária do PT e de partidos aliados, além do financiamento de apoiadores diversos. É difícil dizer até se o PL estará disposto a dar alguma estrutura para a manifestação de Bolsonaro.

Mesmo os apoiadores financeiros habituais do ex-presidente estarão amedrontados com a possibilidade de algo sair do tom e serem acusados de apoiar novos atos antidemocráticos. Então será difícil vir dinheiro daí.

Os olhos da Polícia Federal e do STF estarão mais atentos do que nunca para qualquer convocação e gasto financeiro. Até mesmo políticos ditos bolsonaristas estarão atentos à possibilidade de acabarem engatados na mesma rede em que está Bolsonaro.

Uma coisa é defender ele, outra é ir preso junto.

Provocação

Se, ainda assim, utilizando a aproximação que há entre governo de SP, prefeitura e bolsonarismo, uma multidão for vista no domingo, o ato será visto mais como provocação do que uma demonstração de força, exatamente pelas pontes inexistentes.

A tendência é que a reação seja ainda mais dura, contra ele e contra toda a família. Sem falar nos apoiadores mais próximos.

Declaração

O cientista político Adriano Oliveira, em entrevista à Rádio Jornal na quarta-feira (14), sugeriu que a melhor opção para Bolsonaro atualmente seria fazer uma declaração "reconhecendo e defendendo o Estado Democrático de Direito e as Instituições", ao invés de esticar a corda. Está correto. É exatamente o ato de tentar refundar pontes para sobreviver.

Do ponto de vista político seria a coisa mais inteligente a se fazer num momento como esse. Mas é difícil imaginar que o ex-presidente faria algo assim.

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