Os crédulos inabaláveis são o motivo de viver dos populistas brasileiros
Confira a coluna Cena Política desta quinta-feira (22)
Há um equívoco comum na maneira como políticos constroem suas estratégias: trata-se da repetição com viés invertido. Na prática, quando alguém obtém sucesso utilizando métodos pouco usuais, a tendência é que seus adversários procurem copiar aquele “estilo”, utilizando suas próprias convicções.
Um exemplo prático: Bolsonaro (PL) conseguiu a ascensão falando bobagens monumentais, empacotadas e vendidas como “genialidades corajosas” por sua trupe nas redes sociais.
Por convicção ou por necessidade de sobrevivência, alguém parece ter convencido Lula (PT) de que o caminho agora é esse. E o petista passou a não se preocupar quando o seu discurso está dentro do mesmo nível de bobagens que era usual na gestão anterior.
Militância
Mudam apenas os vieses. Bolsonaro criava problemas com a China, Lula cria problemas com Israel. Bolsonaro naturalizava ditadores de direita, Lula naturaliza ditadores da esquerda. E, da mesma maneira, quando a bobagem provoca uma crise de proporção considerável, as equipes acionam a militância virtual para tentar inverter ou criar significados.
Medição
Nessa crise com Israel aconteceu exatamente isso. Um levantamento do instituto Quaest, publicado ontem, mostrou o comportamento nas redes da militância petista durante a crise diplomática mais recente. Nas primeiras 24h após a declaração, as redes eram quase completamente desfavoráveis a Lula. Ninguém sabia como defender o que parecia (e deveria continuar sendo) indefensável, que é comparar qualquer coisa que seja com o holocausto.
A média das primeiras 48h seguiu sendo ruim para o petista: quase 70% das menções eram contra Lula e 30% a favor.
Ajuste
Após uma reunião convocada com vários ministros, Lula, assessores internacionais e a cúpula do PT, chegou-se a um argumento para tentar justificar a bobagem: “Lula é um gênio e enxerga além das pessoas comuns”.
Reação
Parece estúpido (e é), parece fazer pouco caso da inteligência alheia (e faz), parece com um desrepeito à opinião pública (não sem razão), mas é algo que funcionava para ativar os bolsonaristas quando era necessário contornar as crises criadas pelas bizonhices do governo anterior e não deixa de cumprir o mesmo papel para o atual governo que, embora menos bizonho, carrega a mesma sanha ideológica em sua gestão de imagem e de propósitos.
“Gênio”
Após a reunião, todos os agentes ligados ao Planalto e ao PT começaram a “explicar” que Lula estava falando o que todos os líderes mundiais gostariam de dizer e não tinham coragem. Houve conjecturas sobre ter sido “combinado” com outros presidentes. Houve declarações de que Lula não criticou o povo de Israel, mas apenas o governo “de extrema-direita” de Netanyahu.
EUA
No Twitter (hoje chamado de X), um “influenciador” chegou a dizer que os EUA estavam fazendo uma proposta de cessar-fogo para a guerra e que isso havia acontecido após a fala de Lula. Falácia. A verdade é que os EUA disseram não concordar com a fala de Lula e a proposta de trégua estava sendo costurada muito antes de Lula abrir a boca sobre o assunto.
Equilíbrio
Como a verdade é o que menos importa nas redes sociais, o debate começou a se equilibrar depois que a militância entrou em ação. Em menos de 24h após a definição da estratégia, o jogo que estava 70% x 30% contra Lula foi sendo amenizado. Quando a pesquisa foi divulgada, as menções positivas ao presidente já eram de 41% e as negativas ficaram em 59%.
Sem objetividade
Na época de Bolsonaro, essa estratégia fez com que as bobagens ditas por ele se transformassem em trincheiras ideológicas, mesmo quando não havia qualquer propósito nisso.
Agora, acontece o mesmo. Quem não compra a ideia de que Lula foi “genial”, é atacado. O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD) foi um desses alvos, quando disse que o chefe do Executivo “havia errado”.
Rasteiros
O problema é exatamente este. É impossível tratar os assuntos de interesse do país de maneira objetiva quando as opiniões pessoais, partidárias e ideológicas contaminam debates que deveriam ser puramente técnicos.
Pior ainda é quando é necessário para o Planalto ficar justificando deslizes ou catástrofes diplomáticas com argumentação militante de nível rasteiro.
Os crédulos…
E o mais preocupante é que os aliados mais próximos do atual presidente acreditam que não é nada demais usar essa estratégia. Se funcionava e ainda funciona com Bolsonaro tratar o próprio público, principalmente a própria bolha, como crédulos inabaláveis, por que Lula não pode fazer o mesmo?
…inabaláveis
Os crédulos inabaláveis são o mal do mundo, porque são a base da cretinice fundamentalista. Mas cada um desses crédulos inabaláveis tem um voto. E é isso o que importa para lulas, bolsonaros e para todo e qualquer populista que esteja no poder.