A eleição do Recife e o perigo da popularidade incondicional
Confira a coluna Cena Política desta terça-feira (28)
Em 1992, Bill Clinton venceu George Bush (pai) e se tornou presidente dos EUA. Na época, uma das frases de sua campanha virou livro, documentário e frequentou a cultura pop: “É a economia, estúpido”.
A campanha foi marcante porque Bush, então presidente, tinha 90% de aprovação em 1991, durante a Guerra do Golfo, mas isso foi revertido para uma rejeição de 64% alguns meses depois, resultando em derrota. Os EUA passavam por uma recessão muito dura e a campanha democrata baseada em acusar o que era palpável na gestão do adversário saiu vitoriosa.
Mudando
Pelas últimas décadas, a importância da economia para as eleições sempre foi inquestionável. A frase "É a economia, estúpido" serviu para tudo, desde dados econômicos mesmo até infraestrutura.
Mas as coisas parecem estar mudando, inclusive no Brasil, inclusive em Pernambuco, inclusive no Recife. Nos anos 1990, quando Jarbas Vasconcelos (MDB) foi prefeito da capital pela segunda vez, era considerado o “melhor gestor do país” seguidamente, terminou com aprovação altíssima e foi impulsionado ao Governo do Estado naquela administração.
O mérito de Jarbas era visível, palpável e fácil de mensurar. Houve uma transformação na cidade que incluía desde serviços básicos bem mantidos até grandes obras, cujos efeitos o recifense sentia em sua rotina.
O pior é que, hoje, com as redes sociais, Jarbas poderia nem ser considerado um candidato competitivo, e ter baixa aprovação, caso não tivesse uma conta no Instagram cheia de seguidores empolgados e não soubesse fazer dancinhas.
Alguém imagina Jarbas fazendo o passinho de brega funk porque disso depende a popularidade e os votos?
Geração e foco diferentes
Mas antes que você pense que se trata de uma crítica ao atual prefeito do Recife, João Campos (PSB), saiba que não é. Pelo contrário, será um elogio com uma preocupação.
O socialista tem feito um trabalho bom e reconhecido. É difícil comparar com uma gestão de infraestrutura, como foi a de Jarbas nos anos 1990, porque a sociedade era diferente naquela época e porque esse não foi o foco de João no mandato. É difícil imaginá-lo construindo viadutos e túneis para melhorar o trânsito de carros.
É mais fácil pensar num governo de praças, parques, prioridade para pedestres ao invés de veículos automotores e, por causa da necessidade trágica, reforço na estrutura dos morros.
O ruim…
Há falhas, sim. Faltou a João investir mais em habitação, faltou contribuir com a segurança e falta ser mais efetivo com aqueles a quem se propõe priorizar, como os ciclistas.
No Recife, a taxa de desemprego, por exemplo, é a segunda pior do país entre as capitais. A cidade tem muitos problemas.
Moradores de rua estão espalhados pelo centro. Os alagamentos ainda são uma constante.
E isso derruba a popularidade de João Campos? De jeito nenhum. O prefeito tem quase 80% de aprovação.
…e o bom
Por outro lado, Campos promoveu uma transformação digital nos processos entre cidadãos e prefeitura que é uma verdadeira revolução nos serviços e impacta a vida dos recifenses com resultados que ainda não são totalmente percebidos e entendidos pela população. Nesse ponto, da inovação no acesso da população à gestão, Campos é revolucionário e um exemplo para o país.
Ele também conseguiu reduzir muito o risco nas encostas e barreiras da cidade e melhorou a qualidade de vida com parques e praças. É algo exemplar.
Mas é isso que aumenta tanto a popularidade dele? Não também.
A popularidade de Campos, do ponto de vista de gestão, é incondicional. E isso é um perigo.
Não é mais
“Não é mais a economia, estúpido” é a frase que se impõe agora, desfazendo o que se fez com a eleição de Clinton em 1992.
No Brasil, poucos perceberam isso tão rápido quanto João Campos e poucos conseguem fazer o que ele faz, goste-se ou não do estilo.
Até agora, o prefeito do Recife tem sido cuidadoso, garantindo que sua administração tenha algumas realizações palpáveis também. Mas há um risco quando isso fica em segundo plano, principalmente com a proximidade eleitoral. Risco para ele e para a cidade.
"Fazer o diabo"
Ainda vivemos numa sociedade acostumada à cultura de espetáculo e na qual as pessoas votam mais naquele que é um “sucesso” e menos em quem faz entregas. Esse tipo de ambiente é pródigo para atrair estrategistas eleitorais comprometidos somente com a vitória a qualquer custo, sem pesar as consequências.
O "fazer o diabo" para vencer, expressão infeliz do marqueteiro de Dilma Rousseff (PT) em 2014, é um exemplo. Acabou em impeachment e prisão. Acabou também em uma das maiores crises econômicas de nossa história recente.
Ator e personagem
No caso do personagem de rede social, a questão é que há um ônus terrível, que é o risco de reduzir o gestor verdadeiramente competente a uma celebridade volátil, passageira. Marqueteiros (sim, eles existem ainda) precisam ficar atentos a isso.
Personagens grandes demais correm o risco de condenar a capacidade do ator atrás da máscara.