Sobre os falsos dilemas e os convites políticos mal entendidos
Confira a coluna Cena Política deste sábado (1°)
O deputado João Paulo (PT), ex-prefeito do Recife, estava inspirado durante uma entrevista que concedeu à Rádio Jornal na sexta-feira (31). Falando ao programa Passando a Limpo, disse que João Campos (PSB) estava “agindo com arrogância” em relação ao PT.
Avisou que o atual prefeito pode conseguir o apoio do partido mas não leva a militância no pacote e até que há quem desconfie que o socialista tem planos de ser candidato a presidente e por isso estaria apoiando, na Câmara dos Deputados, um candidato à presidência da Câmara que pode dificultar o trabalho do governo Lula.
Culpa
Difícil dizer que a palavra para o episódio é arrogância, mas é fato que a condução das conversas sobre o PT ocupar a vice de João Campos poderiam ter sido conduzidas de forma diferente. Agora, para ser justo, a culpa não é só de Campos.
Às vezes, acreditando que estão com toda razão ou apenas sofrendo de um distanciamento da realidade, a pessoa costuma se equivocar e exagera na própria importância ou confunde simpatia com amor eterno.
Esse pode ter sido o caso do PT durante essa novela.
Para ilustrar
Conto uma história para ilustrar: corria a década de 1970 e um motorista ficou com o caminhão quebrado numa rodovia isolada. Foi socorrido por um mecânico que passava pelo local e ajudou no conserto do veículo. Ao final, ofereceu dinheiro e o salvador não aceitou. Resolveu ser educado, disse onde morava e, qualquer coisa que precisasse na região, podia procurá-lo.
Meses depois, batem à porta da casa do motorista e a esposa dele vai atender. Do lado de fora estava uma família inteira que ela nunca tinha visto na vida, cada um (pai, mãe e três filhos) com um travesseiro debaixo do braço e uma mala. O filho menor ainda puxava um cachorrinho pela coleira. Entraram como se fossem íntimos e tomaram conta da casa.
O homem explicou à dona da casa que tinha ajudado o marido dela na estrada e ele tinha dito que “se precisasse de algo poderia procurá-lo”. Pronto, ele estava lá para cobrar o favor, assim mesmo, sem avisar: iam passar o carnaval e, por favor, que ela fosse preparar o almoço porque estavam todos com fome.
Não é preciso explicar que a família foi, em determinado momento, convidada a juntar as malas e dar meia volta. Não foi de maneira muito gentil, é de se imaginar, porque toda gentileza é inversamente proporcional ao desaforo.
No fim de tudo, enquanto eram colocados da porta pra fora, pai, mãe, três filhos e o cachorrinho gritaram da calçada: “mulher arrogante”.
Acontece.
Convidou?
E volto a João Campos: em que momento o prefeito do Recife convidou o PT para ocupar a sua vice na eleição de 2024?
Só os participantes das conversas podem dizer se houve algum tipo de mal entendido, se ele disse que gostaria de contar com o PT na eleição, se era um convite para almoçar e os ouvidos petistas entenderam como pedido de casamento.
Mas o fato é que, publicamente, nunca existiu convite. E, sem convite, o PT se alvoroçou e chegou a fazer uma prévia de vice, internamente, coisa esquisita e difícil de entender.
Em 2022
Mas João Paulo tem absoluta razão em seu aviso de que conquistar o PT não significa conquistar a militância. São coisas diferentes e a eleição de 2022 já mostrou isso.
Na época, é bom relembrar, após muita dificuldade e uma novela que parecia sem fim, o PSB conseguiu o apoio do PT para Danilo Cabral (PSB). Faltou combinar com a militância petista, que não aceitava Danilo por causa do voto dele e dos socialistas no impeachment de Dilma (PT).
Resultado é que o PT votou em Danilo, mas os petistas votaram em Marília Arraes (SD) naquela eleição.
Igual, mas diferente
Agora é diferente, porque João caminha forte em primeiro lugar e ainda não está claro se haverá forma de algum adversário alterar esse resultado.
Em 2022, Danilo lutou muito e acabou em quarto lugar. Em 2024, a tendência é que os petistas que não votarem em João escolham a opção à esquerda alternativa: Dani Portela (PSOL).
É algo que pode até provocar um segundo turno, dependendo de se confirmar o potencial dos outros candidatos que ainda nem entraram na disputa, mas dificilmente irá derrubar Campos ao ponto de prejudicá-lo.
Ousado e/ou grande
João Paulo, hoje a única voz realmente crítica dentro do PT, carrega uma honestidade e uma franqueza vital que o partido não tem humildade para suportar, embora devesse, por sobrevivência.
O deputado e ex-prefeito do Recife saiu do partido por uns anos e voltou recentemente. A experiência externa talvez tenha feito com que ele tivesse uma visão que os colegas são incapazes de enxergar.
O partido de Lula em Pernambuco, acostumado às vitórias “socialista-dependentes”, vive um dilema entre a necessidade de ser ousado e a possibilidade de ser grande.
Recado: uma coisa só é possível em conjunto com a outra.