Lula e a política brasileira onde é mais lucrativo ser popular do que ter razão

Até os antigos reis, quando governantes no absolutismo mais enraizado, costumavam ter grupos de conselheiros. Imagina numa democracia.

Publicado em 17/07/2024 às 20:00

O economista Gustavo Franco, um dos pais do Plano Real, deu entrevista à apresentadora Ana Maria Braga esta semana. O Real completou 30 anos e descobriu-se que um plano econômico pode ser “pop”. Ter sido um sucesso duradouro, é claro, contribui para isso. Mas chamou atenção a metáfora que Franco utilizou durante a conversa para explicar a hiperinflação: patologia.

O economista que ajudou a criar o Plano Real disse que controlar a inflação é como atacar uma enfermidade grave, como um câncer, contra a qual é preciso aplicar remédios amargos e dolorosos em nome de uma consistente recuperação. Foi como se estivessem tratando uma doença que os pais do Plano Real agiram e resolveram o problema.

Metas

A entrevista de Franco aconteceu no mesmo dia em que ainda estava repercutindo a frase do presidente Lula (PT) sobre não cumprir metas fiscais. “Você não é obrigado a estabelecer uma meta e cumpri-la se você tiver coisas mais importantes para fazer”, declarou o chefe do Executivo, que deveria ser o maior guardião do dinheiro que é sugado do pagador de impostos, mas que reage com irritação sempre que se fala nessa responsabilidade necessária para quem guarda um cofre de dinheiro que não é seu.

Comemora no fiteiro

Usando a analogia da hiperinflação feita por Gustavo Franco, o nosso presidente se comporta como aquele sujeito que quase morreu por causa do cigarro, passa pela UTI, faz tratamento pesado e, assim que recebe a notícia de que escapou e vai sobreviver, comemora indo comprar uma carteira de cigarros no fiteiro.

Com saúde, todo mundo é corajoso. É preciso imaginar se Lula teria peito para dizer as bobagens que diz hoje caso estivéssemos num cenário de descontrole inflacionário, à “beira da morte”, como havia no passado.

Nunca

Ele não falaria porque sabe muito bem que não conseguiu ser presidente em 1989, quando os preços aumentavam quase diariamente, exatamente por causa do discurso demagógico da época.

Seria arriscado para a popularidade dizer que “não se importa com as metas” e que não está tão preocupado com a inflação, caso tivéssemos o cenário que tínhamos antes da cura que veio através do Plano Real.

Demagogia

É muito fácil dizer que o “povo pobre não compra dólar, compra comida”, como fez em sua última entrevista, vivendo numa economia estável e com a inflação relativamente controlada. É o tipo de frase que poderia fazer alguém ser chamado de estúpido. Mas Lula não é estúpido, logo sobra apenas a demagogia.

É demagógico porque o dólar tem relação com a inflação dos alimentos. Quando ele sobe, encarece a logística, o transporte dos alimentos, e o povo pobre sofre também. Lula sabe disso e finge que não.

O mal da política brasileira é que é muito mais lucrativo ser popular do que ser responsável. E Lula sempre vai preferir ser popular. Para ele, é muito melhor do que ter razão.

Janja

Completa esse cenário preocupante o presidente dizer que aceita conselhos, sim, ao contrário do que é dito por aliados nos bastidores. Disse também que dá liberdade para que os auxiliares lhe alertem quando estiver errado.

Mas na hora de citar um exemplo de quem o tem aconselhado e tem coragem de lhe dizer “nãos”, o presidente citou apenas a esposa, Janja. Pelo jeito, ninguém mais tem coragem entre os assessores.

Reis

Ninguém aqui está questionando a sabedoria da primeira-dama que, pelo visto, ajuda a conduzir o país, mas a estiagem de conselheiros mais diversos, com visões de mundo e experiências diferentes, limita os resultados e pode estar limitando o desenvolvimento do país.

Até os reis, quando governantes no absolutismo mais enraizado, costumavam ter grupos de conselheiros. Imagina numa democracia.

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