Lula e o "Relativizador Geral da República" enviado à Venezuela

A sensação é a de torcer contra a explosão de um barril de pólvora colocado em cima de uma fogueira. Você reza, mas reza esperando o impacto.

Publicado em 27/07/2024 às 20:00

No momento em que este texto está sendo escrito ainda não há resultado das eleições venezuelanas. Mas já há pesquisas apontando para uma vitória da oposição contra Nicolás Maduro. A Atlas/Intel divulgada no sábado (27) mostrava a oposição com 52% das intenções de voto e o governo Maduro com 44%.

O resultado será esse? Difícil dizer porque não se trata de um regime democrático, com a transparência e a liberdade necessárias para que a população tenha seus votos validados.

Morrem por dentro

Steven Levitsky e Daniel Ziblatt, com seu livro “Como as Democracias Morrem”, causaram um certo espanto há alguns anos quando explicaram que aquele modelo de golpe militar que nos acostumamos a ver nos anos 1960 pela América Latina não faz mais sentido e não funciona direito.

Os golpes acontecem com o sequestro ideológico de instituições estratégicas, limitação da liberdade de expressão e da imprensa, o tráfico de influência e o patrimonialismo.

Como tem eleições

Tem muita gente perguntando porque a Venezuela é uma ditadura se está fazendo eleições e até pesquisas são realizadas por lá.

A questão é que se você controla as instituições formais e são elas que validam a realidade através de sua burocracia, você controla a própria realidade. Sem imprensa que o critique, sem juízes que lhe imponham limites e com a oposição tão enfraquecida ao ponto de parecer figurante em filme de terror, daqueles que fazem volume e morrem nos primeiros minutos da história, é possível ser ditador e posar como democrata em qualquer foto oficial.

Sem microfone

Quem ainda tiver dúvidas sobre o regime venezuelano, porque ainda há os que têm, pesquise os relatos da oposição sobre a dificuldade para fazer um simples comício em cidades do interior do país.

O roteiro dessas incursões tem equipamentos de som apreendidos, microfones sendo quebrados, equipe de campanha presa pela polícia e ameaças para o público que comparecer.

Caro amigo ditador

O “chanceler não oficial” do Brasil, Celso Amorim, que o presidente Lula (PT) costuma enviar para visitar ditaduras amigas quando precisa, como é o caso de Nicarágua, Cuba, Rússia e Venezuela, já teve reuniões com um representante de Maduro antes da eleição do domingo (28).

O auxiliar da ditadura venezuelana correu às redes sociais logo depois para postar que a conversa foi sobre “o ambiente de paz que vive a Venezuela e da impecável organização do processo eleitoral”, ignorando as declarações do chefe que ameaçou com “banho de sangue”, caso perca a eleição.

Sangue de “brincadeira”

O enviado do Brasil é o mesmo Celso Amorim que ao ser questionado sobre a expressão “banho de sangue”, esforçou-se para relativizar, dizendo que tinha certeza de que se tratava de uma figura de expressão, que não se tratava de violência.

Depois, o próprio Celso Amorim deu entrevista afirmando que a eleição seria a “ocasião de demonstrar que a democracia está consolidada e que não há razão para sanções“.

Amorim deveria ter um cargo mais adequado às funções que desempenha: "Relativizador Geral da República".

Nem camelô escapa

A “democracia consolidada” do enviado de Lula já tem 125 pessoas detidas por razões políticas nos últimos dias, sendo 102 ligadas à líder da oposição, María Corina Machado. Seis pessoas da direção do partido da oposição se refugiaram na embaixada da Argentina, em Caracas. Outros 46 venezuelanos foram presos porque estavam vendendo produtos promocionais da oposição durante os comícios ou em eventos públicos.

Clube fechado

Mas o principal fator que descredibiliza a posição de Celso Amorim é ele ter conseguido entrar no país e até se reunido com o governo ditatorial. Porque somente observadores e representantes que apoiam o regime foram permitidos.

Mexicanos, espanhóis e vários outros membros de delegações considerados de direita ou de centro-direita, que não acham a democracia algo “relativo”, foram impedidos de entrar no país. A Venezuela também fechou a fronteira com o Brasil, no Norte.

O mesmo Brasil representado por Amorim que costuma ver democracia em lideranças autocráticas, mas por acaso aumentou em 300% a presença militar na fronteira com o país de Maduro nos últimos três meses.

Que assim seja

Se as pesquisas se confirmarem, com uma derrota do ditador, pode ser que este texto e quase todas as preocupações contidas nele percam sentido no fim do dia. Maduro pode perder o poder e, pressionado por outros países, ser obrigado a deixar o comando para uma transição feita em paz.

Que assim seja, se assim for. Mas a sensação é a de torcer contra a explosão de um barril de pólvora colocado em cima de uma fogueira. Você reza, mas reza esperando o impacto.

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