A zombaria que precisa ser levada a sério na política do Recife

Fala de João Campos sobre a oposição no Recife precisa ser digerida e deixar algum aprendizado. A forma foi a do desdém, mas o conteúdo é relevante.

Publicado em 19/08/2024 às 20:00

O prefeito do Recife e candidato à reeleição João Campos (PSB) declarou há alguns dias que a oposição tem “candidaturas Netflix”, que “só aparecem por temporada”. Houve quem achasse menosprezo, houve quem entendesse como zombaria. Mas, se for para ser honesto, é preciso dizer que ele tem razão. Sim, ele tem razão.

E é uma pena que esteja correto. Porque uma oposição forte é fator essencial para a democracia e para o desenvolvimento de uma cidade. Se não existe contraditório, a população é obrigada a se contentar com o que lhe é oferecido.

Esse contraditório que está sendo construído somente agora, com viés eleitoral, por onde andou em quatro anos?

Oposição

Não se trata de gostar de João Campos ou gostar da oposição, mas de ser realista com a trajetória da oposição ao PSB, não apenas no Recife mas em Pernambuco, ao longo dos últimos anos.

A eleição estadual de 2022 é um ponto fora da curva, mas foi preciso que o desgaste com os socialistas chegasse aos níveis mais elevados e insuportáveis possíveis e encaixasse com a estratégia da oposição naquele momento para dar certo.

Recife

E deu certo em 2022 porque havia uma concertação entre os candidatos da oposição. Havia três prefeitos de direita e de centro unidos que depois lançaram candidaturas separadas, mas com papéis bem definidos, havia um nome da esquerda dividindo votos com o PSB. Existia uma estratégia e os personagens estavam vivendo os problemas do estado nos últimos anos, como protagonistas, não por algumas semanas antes da eleição.

E o que temos no Recife? Uma oposição que parece conviver no “cada um por si” e que não estava, nos últimos anos, no convívio dos problemas da capital. É isso. E não é fácil reverter algo assim em 45 dias de campanha.

Quatro anos

Onde estava essa oposição nos últimos quatro anos, apontando os problemas da cidade (que existem e são muitos)? Campos aparece agora com pontuação altíssima entre intenções de voto, níveis de popularidade elevados e sem que a população consiga apontar grandes realizações.

Os desafios da cidade são imensos hoje, mas já eram em 2021, em 2022, em 2023. Para quem olha a cidade, não vê nada de excepcional, e questiona o que faz o prefeito ter os níveis de aprovação que tem, uma frase resume: todo protagonismo exacerbado é fruto de um protagonismo solitário. Onde estavam os outros?

Quem?

João Campos está conhecendo sua oposição agora, até então protagonizava tudo sozinho. E a população também está conhecendo a oposição agora. A última grande figura a antagonizar o PSB no Recife foi Priscila Krause (Cidadania), com um detalhe: ela nem era mais vereadora, era deputada estadual e fazia as vezes de oposição municipal, por falta de quem assumisse o posto nos últimos anos.

Quando Priscila se tornou vice-governadora, o papel dessa liderança foi assumido por Alcides Cardoso (PL). Mas Alcides é o exército de um homem só, trabalhando quase isolado e com pouco suporte de algo que se possa chamar de um grupo.

Mato e jardim

Sim, a oposição no Recife vive de temporada. Pode ter sido uma zombaria de Campos, mas ele tem razão.

Falta coordenação, falta estratégia de grupo, presença e regularidade. Falta uma figura forte que una esse grupo, por mais diverso que ele seja. E essa falta faz um mal danado ao Recife.

Onde o contraditório é fraco, todo mato parece um jardim.

Delfim e JCPM

O empresário João Carlos Paes Mendonça escreveu um artigo na edição de ontem deste JC que chama atenção para aspectos da personalidade de Antônio Delfim Netto, ex-ministro da Fazenda brasileiro falecido há cerca de uma semana, que a maioria dos brasileiros não conhece.

Delfim, ao contrário da imagem que muitos tinham dele, era sensível, sabia ouvir e negociar. Os dois conviveram bastante quando o empresário era presidente da Associação Brasileira de Supermercados e também quando integrou o Conselho Monetário Nacional, por indicação do próprio ministro.

Lição

No artigo, que está disponível no Jornal do Commercio na área de "opinião", o relato da maneira como se dava o contato entre os dois, muitas vezes defendendo pautas opostas, é um guia de como precisam ser ainda hoje as relações políticas e empresariais no Brasil: “Minha relação com Delfim seguia esse rito: firme, necessária, correta, sincera e, acima de tudo, respeitosa”.

Fica a lição. Uma essencial lição.

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