A esperança da oposição a João Campos no instituto do "quem sabe?"

No que ainda reside a esperança da oposição contra o favoritismo do prefeito mora também uma questão tecnológica que dificulta grandes reviravoltas.

Publicado em 23/08/2024 às 20:00

Quem se apega à possibilidade de João Campos (PSB) cair nas pesquisas e, mais à frente, perder a eleição, relembra momentos em que isso já aconteceu e termina a conversa com a expressão “quem sabe?”. O "quem sabe?" é uma instituição política íntima de São Judas Tadeu, santo das causas impossíveis.

Depois de Campos não ter caído nas pesquisas quando anunciou o vice, de não ter caído quando lançou a campanha e não cair depois de ter a gestão criticada pela oposição, a nova fronteira aguardada é a do guia eleitoral.

A expectativa é fazer ele cair, nem que seja um pouquinho pra começar.

É só começar

Marcos Caruso escreveu uma peça de teatro que chegou a virar filme chamada “Trair e coçar, é só começar”. Numa eleição a frase pode ser ampliada para “trair, coçar e cair, é só começar”.

É a esperança da oposição, que se a tendência começar a ser de uma queda, mesmo pequena, tudo mude no compasso de uma onda.

Recife

Existem exemplos: no Recife, Roberto Magalhães estava virtualmente reeleito na prefeitura, mas acontecimentos negativos envolvendo Magalhães ao longo daquele ano de 2000 foram se acumulando até que João Paulo (PT), que havia entrado na disputa como terceira força atrás do ex-senador Carlos Wilson que também era candidato, virou prefeito da capital.

Caruaru

O ano de 2004 reservou outro desses exemplos, mas em Caruaru. O hoje ex-governador de Pernambuco João Lyra Neto era candidato pelo PT na Capital do Agreste e iniciou o período eleitoral com mais de 60% das intenções de voto. A disputa era contra o então prefeito, Tony Gel, à época pelo PFL, que aparecia com menos de 15% nas pesquisas.

No guia

Mas quando a campanha realmente começou, com guia eleitoral em rádio e TV, João Lyra teve uma pequena reacomodação de suas intenções de voto, caindo um pouco daqueles 60%. Foi o suficiente para iniciar uma crise na própria campanha que desestabilizou tudo. Tony Gel terminou reeleito com 48% contra 47,5% de Lyra.

Outra época

Quem já viveu esses momentos pode usar o “quem sabe” com propriedade. Mas é preciso lembrar que algumas coisas mudaram nos últimos 20 anos. No fim dos anos 1990 e começo dos anos 2000 o Brasil ainda discutia se os cintos de segurança nos carros eram bons ou ruins para a segurança. Ainda havia gente com raiva por não poder mais fumar dentro dos aviões.

A internet estava restrita a um grupo muito pequeno de pessoas e redes sociais eram ideias embrionárias. Os guias eleitorais mudavam completamente os rumos de uma eleição e os debates poderiam ser a ascensão ou a queda de um candidato.

Tolerância

É preciso entender a evolução da comunicação e os efeitos que a ampliação dos canais tem na tolerância do público com deslizes de candidatos. Antes, um gesto indecoroso contra adversários, como o que ajudou a derrubar Roberto Magalhães em 2000, teria muito menos força. Os canais são mais numerosos, variados e, rapidamente, haveria gente contra, gente a favor e até pessoas vibrando com a atitude nas redes sociais.

Com redes sociais, Roberto Magalhães teria vencido aquela eleição.

Com opiniões fabricadas pelo marketing político ou não, o fato é que hoje as crises se espalham mais rápido e exatamente por ficarem mais pulverizadas elas se dissolvem mais rápido também. E somem.

Num mundo sem essa pulverização, carreiras políticas poderiam ser aniquiladas com um escorregão. Hoje, a quantidade de informações é tão grande que, no fim da tarde, ninguém lembra mais do escândalo ocorrido no início da manhã.

Difícil

É por esse novo cenário midiático que fica difícil imaginar a possibilidade de um erro na campanha ser suficiente para comprometer tanto a candidatura de João Campos a um ponto crítico. É por isso que analistas políticos têm dito repetidamente que é um cenário difícil para a oposição desconstruir. E é o que mais prejudica o “quem sabe?” da oposição.

Interno

Ao mesmo tempo, é preciso lembrar, quem já trabalhou em campanhas eleitorais conhece a quantidade de detalhes que envolvem uma disputa assim. Há peculiaridades que o eleitor nem imagina, no interior das campanhas, na formação e distribuição da estrutura financeira e no trabalho da militância. Uma campanha promissora pode se desintegrar por conflitos internos.

Há exemplos recentes, já nesta época de redes sociais, inclusive em Pernambuco. Ao menos duas campanhas ao governo em 2022 foram praticamente desmanchadas de dentro para fora ao longo do período eleitoral. No primeiro turno foi a do PSB, com Danilo Cabral. E no segundo turno a de Marília Arraes (SD).

É nisso que o “quem sabe” ainda sobrevive, apesar dos 76%.

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