Observações passadas e futuras sobre a eleição do Recife

Campos estava no carro, acelerando, e já tinha dado três voltas e meia no autódromo, quando os adversários foram tirar carteira de habilitação.

Publicado em 05/10/2024 às 16:43 | Atualizado em 05/10/2024 às 16:44

Quando a apuração dos votos terminar neste domingo (6), no Recife, duas importantes observações feitas ao longo dos últimos dias nesta coluna estarão mais claras, porque foram antecipadas aqui, mas precisavam amadurecer para que fossem melhor entendidas. A primeira é sobre o papel da oposição no Recife e a dificuldade que esse grupo teve para entender que já era tarde demais quando ainda achavam que era cedo.

João Campos (PSB) estava sentado em seu carro, acelerando, e já tinha dado três voltas e meia no autódromo, quando os adversários foram tirar carteira de habilitação e ainda aprendiam a diferenciar os pedais de freio e acelerador para competir.

Culpa

Muito se falou, inclusive nesta coluna, que Campos conseguiu se distanciar dos problemas da cidade como se não fosse o gestor dela. E a expressão “meu prefeito” soa para o eleitor mais como um componente de intimidade relativo à celebridade do que como um indutor de responsabilidade pelo cargo importante.

Este colunista recebeu uma ligação recente do integrante de uma das campanhas da oposição, queria reclamar de uma fala de João. Ao fundo da ligação, uma voz não identificada gritava (certamente para que eu ouvisse) sobre o prefeito: “é um absurdo, tudo o que ele faz de errado ninguém liga”. É o tipo de contato que existe muito nos bastidores, muitas vezes são fruto do estresse de uma campanha.

Mas é preciso dizer que a resposta para este desabafo é uma só: a culpa é da oposição que esperou para existir somente quando a campanha começou. Podem apostar que os problemas do Recife mais importantes hoje já existiam em 2021, quando o atual prefeito assumiu o cargo. E ninguém deu nem um piu por anos. Ficou tarde, e fica a lição.

Sem derrotas

A segunda observação desta coluna que hoje está amadurecida para ser melhor entendida tem a ver com a primeira. João Campos está muito mais seguro do que estava na eleição de 2020, e isso deve ser reconhecido, mas nunca viu derrotas na vida.

Não enfrentou as dificuldades que Eduardo Campos enfrentou com o caso dos precatórios, quando quase teve a carreira política arruinada e precisou começar do zero circulando pelo interior do estado. João não teve uma derrota como a que Eduardo sofreu pela prefeitura do Recife também. As derrotas fortalecem o sujeito mais do que as vitórias. Temos uma sociedade que valoriza cada vez mais apenas as histórias de sucesso e apaga da memória a dor do fracasso.

Um único balanço

Sem o fracasso para nos guiar, subimos em escadas frágeis que se desmontam quando estamos lá no alto. João Campos nunca perdeu uma eleição, como também nunca foi confrontado de maneira dura. As redes sociais geram um ambiente controlado que dificulta a chegada da crítica mais forte, dependendo da blindagem que os assessores criam. E eles criam muitas.

O prefeito deve ser reeleito hoje com méritos que é preciso reconhecer, porque soube jogar o jogo, mas demonstrou que não está preparado para uma crítica bem colocada. Foi algo que ficou evidente no debate da Globo, quando Daniel Coelho (PSD) o apertou com nomes e dados sobre as polêmicas creches da gestão municipal. Foi possível ver a escada balançando.

João ficou nervoso de forma notável pela primeira vez nesta campanha, respondeu de maneira insegura que não conhecia as pessoas mencionadas e viu o adversário lembrar que um dos citados está em fotos com ele e é candidato a vereador no grupo do prefeito.

Vai afetar o resultado? Claro que não porque, como foi dito acima, a oposição começou a corrida quando ele já estava na linha de chegada. Mas serve como alerta para os socialistas e para a oposição a ele no futuro.

Daniel

Por falar em Daniel Coelho (PSD), é absolutamente natural que ele tenha sido o candidato escolhido para representar o Palácio, principalmente por ser uma eleição com vitória quase impossível. Daniel é um ótimo quadro para o Legislativo, tanto que foi considerado o melhor deputado de Pernambuco várias vezes, talvez fosse um grande gestor, mas precisa passar pela eleição e não funciona bem em campanhas para o Executivo.

Uma campanha para prefeito, governador e presidente depende de adaptações de discurso frequentes, disposição para atender a todos com expressão de felicidade eterna e habilidades teatrais permanentemente em ação. Quanto maior a rigidez de comportamento e personalidade, mais difícil é alcançar votos para cargos assim.

No Legislativo, o perfil de Daniel atrai boa votação, tanto que ele teve 110 mil votos em 2022. Apesar de não ter conseguido a reeleição, foi um baita resultado. Nesta campanha, ganhou pontos com o último debate, quando conseguiu desestabilizar o prefeito, mas a estratégia geral foi um tanto suicida.

A equipe optou por bater no candidato à reeleição que tinha 80% de aprovação desde o primeiro programa eleitoral, sem ao menos apresentar o seu próprio nome. Ao fim do primeiro programa no guia do candidato do PSD você sabia tudo sobre a miséria no Recife, mas não sabia nem quem era Daniel.

Depois foi amenizado, mas o tom duro foi mantido. Esmurrar uma rocha faz você quebrar a mão e não tira ela do lugar. Resultado: a rejeição a Daniel cresceu e a intenção de voto encolheu.

Gilson

A participação de Gilson Machado (PL) nessa campanha foi muito importante. A dimensão do bolsonarismo rígido no Recife está na votação que ele alcançar neste domingo (6). Único da oposição que conseguiu chegar a dois dígitos nas intenções de voto, sabe-se que seus eleitores são aqueles que só votam em bolsonaristas, sem exceção. É bem pouco, algo em torno de 11%, mas é sólido.

Há muito mais eleitores de direita no Recife, mas a maioria não se importa de votar no Partido Socialista Brasileiro dependendo do candidato. Esse é um elemento de orientação importante para candidatos ao Legislativo que pretendem levantar a bandeira de Bolsonaro em 2026 e têm como base o Recife. É um espaço bem limitado. E Gilson deve ser candidato a deputado federal.

E na campanha em si? A imprudência limitou ainda mais o resultado que já era difícil. O candidato do PL chegou a ter 14 programas eleitorais suspensos pela Justiça Eleitoral. Desse jeito fica difícil ir muito longe.

Dani

Dani Portela (PSOL) foi a primeira a fazer convenção, a primeira a registrar candidatura e, ainda assim, chegou tarde na eleição porque só conseguiu se desligar da imagem de “aliada de João Campos” (que nunca foi realmente), no meio da disputa.

O problema é que Dani era líder da oposição ao governo Raquel Lyra (PSDB) na Assembleia. E como existe uma polarização sendo criada no estado entre a governadora e o prefeito do Recife, a candidata terminou levada para essa posição de linha auxiliar do socialista. Para completar, perto do início do período eleitoral, Campos fez questão de ir visitar Dani quando ela deu à luz sua filha. Um gesto amigável natural, se não fosse a ideia já plantada de que seriam aliados.

Mesmo quase sem propaganda de TV e Rádio, a candidata do PSOL conseguiu mostrar que era oposição. O tempo foi curto, para que ela crescesse mais entre eleitores de esquerda.

Reeleito

João será reeleito neste domingo, repito que com muitos méritos, e começa imediatamente a pavimentar a possibilidade de ser candidato a governador. Se vai mesmo disputar o Palácio em 2026 é difícil dizer.

Em dois anos, muita coisa acontece. Depende de saber se os adversários voltarão a dormir o sono plácido do oportunismo eleitoral ou se permanecerão ativos.

Alguém que…

Para quem já tem certeza de que ele deixa a prefeitura em menos de dois anos para outra eleição, ficam aqui mais algumas observações. Dois anos é muito tempo e muita coisa pode acontecer até lá. Antecipar eleições, como fez o grupo do socialista, é também atrair mais cedo um alvo para as costas do prefeito.

Tudo o que ele não teve nos últimos anos, contraponto e confronto direto, é só o que ele terá nos próximos meses até que a decisão seja tomada por ser candidato a governador ou esperar até 2030.

…segure a escada

O grande problema de não ter derrotas é que você acredita não precisar de ninguém e Campos vence as eleições de 2024 carregando aliados que ficaram magoados por terem sido ignorados, desprezados e até humilhados em alguns casos. A escolha do vice, por exemplo, é algo que integrantes do PT costumam dizer que “ainda terá volta”.

Subir alto demais em escadas frágeis, sem ter quem as segure, é um risco imenso. Mas, no presente, Campos merece a vitória.

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