A lógica de 2026 não é a mesma de 2024, basta olhar para 2023
A conjuntura de alianças firmadas em 2024 não tinha nenhuma lógica em 2022, tudo mudou em 2023. O que acontecerá em 2025 até a eleição seguinte?

O torcedor de político, militante de pouco entrosamento com a realidade, costuma olhar para o futuro com os dados fincados no presente e amarrado à lógica que assume para si. Até alguns políticos, em conversas de bastidor, costumam trabalhar as hipóteses sem muita margem para as mudanças surpreendentes. E se tem algo que tem acontecido com bastante velocidade é a mudança de cenário político.
Quer um exemplo? Experimente dizer a um político ou militante desses mais torcedores que João Campos (PSB) pode não ser candidato em 2026 ao governo, ou que Lula pode não disputar a reeleição à presidência ou que Bolsonaro pode ficar elegível de novo ainda.
Imagine se alguém falar sobre a possibilidade de Raquel Lyra (PSDB) e João estarem no mesmo palanque em 2026. Loucura?
A lógica tá diferente
Hoje todas essas possibilidades parecem fora do prumo real, então eles arregalam os olhos e saem de sintonia por alguns segundos, para depois dizerem que “não existe essa hipótese, porque a lógica diz outra coisa”. A questão cada vez mais frequente é que a lógica diz cada vez menos o que ela dizia antes.
A lógica anda igual a uma música de Chico Buarque sobre a moça que está diferente e ninguém mais a conhece. O eleitor (e alguns políticos) fingem que não perceberam e aparentam normalidade, mas a lógica “está pra lá de pra frente” e vai nos passando pra trás, igual escreveu o poeta.
Coerência
O ser humano tende a fugir de qualquer conflito que gere dissonância cognitiva. Eles se prepararam para uma realidade e vão acreditar nela até onde for possível.
Esse pensamento surge por causa de uma história contada aqui na coluna na edição anterior a essa do Jornal do Commmercio, sobre quando Eduardo Campos e Jarbas Vasconcelos fizeram as pazes. A briga entre eles durou anos, os grupos se detestavam.
Mesmo com todo o sucesso de Eduardo já eleito governador, Jarbas nunca aderiu ao socialista por oportunismo, manteve sua coerência e seguiu.
Posição firme
Jarbas chegou ao ponto de disputar uma eleição perdida contra o adversário para manter seu grupo vivo, com uma coragem que hoje é difícil dizer se ainda existe em alguém no meio político.
Jarbas, ex-governador e senador, de nome nacional e reconhecimento por sua ética e honra que vinha até dos adversários mais ardilosos, aceitou ser massacrado nas urnas para atender à sobrevivência de seu grupo político local, principalmente dos mais fiéis que não o abandonaram nos momentos difíceis.
Hoje a grande maioria dos políticos trocaria isso por uma secretaria ou por algumas indicações e ficaria satisfeita.
Ficou rápido
Jarbas foi procurado por Eduardo, que lhe falou do desejo de disputar a presidência e da necessidade de estarem juntos. Só assim, fizeram as pazes, após muitos anos.
É claro que muita gente estranhou, muita gente acusou os dois de oportunismo político. Os militantes que antes se engalfinhavam em brigas tiveram que dar as mãos. Mas passou e todos se entenderam com o tempo.
Agora é que as coisas ficaram rápidas demais. Um caso recente no Recife é o da família Coelho, de Petrolina.
Nove meses
Oficialmente, aconteceu em exatos nove meses a transição dos discursos de Miguel Coelho (UB) e dos irmãos contra o PSB na campanha eleitoral de 2022 para o apoio total e irrestrito a João Campos (PSB) no Recife já com um acordo que coloca Miguel em uma chapa disputando o Senado com os socialistas.
No início de janeiro, quando não teve suas solicitações atendidas pela governadora Raquel Lyra, Miguel começou essa movimentação de retorno à base do PSB, partido em que estava até quando era prefeito de Petrolina e saiu para disputar o governo integrando a oposição.
Oportunismo de ontem
Em 2022, durante uma sabatina na Folha de São Paulo, Miguel chegou a chamar o PSB de oportunista: "Não acredito na política do oportunismo. Hoje quem defende Lula é o mesmo que dois anos atrás chamou o PT e Lula de quadrilha", numa referência à campanha de João Campos à prefeitura em 2020, quando o socialista enfrentava a prima, Marília Arraes (PT).
Em 2023
Mas chegou setembro de 2023 e o irmão de Miguel, Antônio Coelho (UB), tornou-se secretário de Turismo de João Campos. A lógica deu seus pulos e hoje eles estão todos juntos, planejando a chapa de 2026, na qual Miguel quer ser senador.
Uma das dificuldades na formação dessa chapa, por exemplo, é que a ex-adversária de Campos, Marília Arraes (hoje no SD), também virou aliada em 2023. E ela também está de olho numa vaga para o Senado.
Do ódio ao bem
Marília é um caso desses que impressiona. A briga entre ela, uma neta de Arraes, e a família Campos, era algo que ia da indiferença irritada ao ódio raivoso.
Havia apelidos degradantes usados para atacar um lado e outro. Mas, isso era enquanto os dois lados disputavam o poder.
Quando o poder foi assumido por alguém de fora da família, Marília e os Campos se uniram outra vez.
O torto
Fazer as pazes é bom. E é preciso entender que a coerência só parece torta Se a realidade for simétrica. E a realidade nunca é simétrica.
A coerência torta dentro de uma realidade torta é algo cartesiano e esperado. Campos, Marília e Miguel Coelho estão juntos onde sempre estiveram. Porque são todos do PSB ou originários do PSB.
Sabe quem também foi do PSB por muitos anos? Raquel Lyra.
Tudo é possível
Hoje a realidade da governadora é outra. Mas ela deve migrar em breve para aquele que já é o maior partido do Brasil, o PSD. O partido de Gilberto Kassab gravita entre a esquerda e a direita. Está com Lula (PT) em Brasília e com Tarcísio de Freitas (Republicanos) em SP.
Isso abre possibilidades para que a governadora tenha o discurso que achar mais adequado em 2026.
O TSE tem uma formação diferente da que tinha quando Bolsonaro ficou inelegível. Se você achar que os juízes não mudam de ideia, lembrem que Lula estava preso e condenado quando foi liberado para ser candidato a presidente.
Dependendo da conjuntura Lula pode nem ser candidato, porque vem se mostrando cansado, frustrado com alguns resultados e reclama que não tem sucessor.
Se Raquel estiver com uma boa popularidade, se continuar recuperando sua avaliação positiva como vem nos últimos meses, com dinheiro em caixa e obras em curso, Campos pode não arriscar sair da prefeitura para disputar o estado em 2026.
Todas as possibilidades estão sobre a mesa. E para quem duvidar, basta lembrar da música de Chico Buarque. A lógica tá diferente.